22.4.04

Azul bebê

Ela entrou na sala, uma camisa dele, azul bebê, pouco abotoada, segurando uma xícara de café entre as mãos; ele estava sentado em frente ao computador. De pés descalços, cabelos ainda levemente molhados, ela caminhou até ele, e ficou atrás da cadeira, os olhos amendoados atentos à tela, que reluzia na sala escura. O café estava quente e cheiroso; cheiro de café na sala, cheiro de shampoo nela, cheiro de colônia masculina nele. O teclado fazia música sob os dedos finos dele; dedos finos dele no teclado, dedos brancos dela na xícara, dedos de um entrelaçados nos dedos do outro. A tela do computador brilhava apática; apática a luz da tela, mágicos os olhos dela, apaixonados os olhos dele. O tapete da sala estava macio; macio o tapete bordô com bege, mais macia a pele dela, mais suave o toque dele. A janela deixava entrar a brisa fresca; fresca a brisa da noite de outono, quente o hálito dele, incendiante o beijo dela.
Sobre o sofá a camisa dele, azul bebê, desabotoada, e a xícara de café sobre o vidro da mesinha de centro. Atento, ele caminhou até ela, atrás da cadeira, tirou-lhe os pés descalços do chão, e os cabelos, ainda levemente molhados, reluziram à luz dos olhos dele, na sala escura. Nele, quente e cheiroso, cheiro de colônia masculina, que se misturava aos cheiro de shampoo, nela; cheiro de café na sala. Sob o comando da música, que entrelaçava a xícara, o teclado, os dedos de um e de outro, os dedos finos dele faziam nos dedos dela teclado brando. O computador de tela apática, tela de luz apática junto da mágica dos olhos dele na paixão dos olhos dela. No tapete bordô-macio com bege, o toque mais suave dela, na pele dele, o tapete mais macio. Brisa da quente noite de outono a entrar a janela, o beijo dele incendiante, o hálito dela, brisa.
Amêndoas musicais, dedos que reluzem ao cheiro bordô da janela, café macio que se entrelaça fino à luz, teclado begemente apaixonado pela noite de tapete masculino, mágica música dos dedos de shampoo nos beijos descalços do incêndio molhado.
Inexplicáveis, inesquecíveis...

21/Abr/2004

14.4.04

Blooming Blume

Você não foi mais que uma alergia.
Forte a ponto de deixar cicatrizes, é verdade,
Mas foi só uma alergia.
E agora passou o inverno
abri as janelas,
respiro aliviada
- embora isso não alivie meu coração.
E vou aproveitar a primavera pra me aquecer,
me deixar brotar,
florescer, desabrochar:
Tisquecer.

13/Abr/2004

4.4.04

Leaving Rooms

- O que você faria se eu dissesse que só tava te usando?
- Perguntaria: “você quer que eu saia?” e faria segundo sua vontade.
- Eu tava só te usando.
- Ah, agora não vale, você já sabe o que eu vou fazer.
- Vai perguntar?
- Se você for responder com sinceridade...
- Vai embora.
E eu fui.

04/Abr/2004

2.4.04

Esquerda-Direita

Há poucos anos, num acidente de carro, o jovem soldado tivera de amputar o antebraço, e agora o cotovelo arredondado e com uma enorme cicatriz constituía a extremidade do braço direito.
- Não põe o cotovelo pra fora da janela! - brincou o velho caminhoneiro, tirando uma das mãos do volante e arremessando uma xepa de cigarro, enquanto ria um sorriso sem dentes.
Mas não riu quando foi atingido por duas balas saídas da arma que o soldado disparou: com a mão esquerda.

02/Abr/2004