13.6.05

Dela

Casa frágil e estreita, moderna, apesar do estilo claramente açoriano. Firme e esguia, majestosa, sem a arrogância típica da realeza. Uma rua reta de pedras tortas, nas quais, é claro, tropeço. Mas não porque as pedras são irregulares e mal colocadas. Porque o olhar dela me desequilibra.
Não nega as origens, não, mas tem uma graciosidade em suas paredes brancas que as conterrâneas não têm. E tem vidros negros e espelhados, que refletem o vai e vem dos carros e das pessoas, e quase refletem os ruídos de todo o mundo. E me refletem - e sou refém. E os olhos por trás do reflexo, o brilho dos olhos, me angustiam, me observam, por cima da boca fina que é a porta de entrada. E o telhado luminoso cor de argila, de beirados curtos, comum nas obras antigas mas também nas modernas, por vezes parece que vai encobrir tudo, porta, janelas e reflexo. E estremeço. Reflito. Imóvel, eu. Agonia sempre crescente só de pensar que tudo pode sumir de repente, nunca mais ser visto, tudo engolido, escurecido, emudecido debaixo do telhado gracioso, gracioso como a casa toda. Aflição que não dou mais um passo, mantenho distância, e os carros param, as pessoas calam, gritos mudos ensurdecidos pela música dos olhos silenciosos sobre as janelas. Eu sei que ela sabe também. Porque os olhos negros me olham com astúcia e benevolência, e os vidros brilhosos nem por um instante deixam de refletir o mundo girando a minha volta. As pessoas continuam ali, e os carros vão e vem, e as outras casas sem graça, e Ela.
Que tem tudo sob o seu controle. De propósito, sim, o monte de pedras mal colocadas e irregulares. E eu, que tropeço todos os dias, torta, na mesma rua. Como bobo de corte, prepotente mas fraco, inclinado em reverência. Em estilo medieval, claro, confronto, reflexo, do frágil, do firme. Dela.

Jun/7th/2005 and Jun/12th/2005