4.9.07

Buraco-negro (ou O pingar dos segundos)

Um balde verde no meio da sala. Não verde bandeira nem um verde limão, um meio termo, um verde até bonito. Onze alunos sentados ao redor do balde, em forma de U, no centro em frente uma mesa, em frente o quadro e uma pessoa a quem se convencionou chamar de professor. Todos, incluindo o último, têm cara de tédio.
São quatro mulheres e sete rapazes - porque a matemática ainda funciona. O professor também homem. São quatro janelas no alto da parede lateral, as cortinas meio abertas, as luzes acesas. É dia, quase meio dia.
O balde tem três dedos de água, o piso molhado ao redor. No teto, um pedaço do forro plástico branco faltando. Um buraco negro que parece sugar os pensamentos. O professor repete pela quinta vez que tratará do assunto em aula específica - e segue falando do mesmo. Entremeia as frases com um aviso enfático, "prestem atenção nisso aqui, é muito importante". O buraco negro continua sugando os pensamentos e cuspindo de volta caras de tédio.
Apenas uma caneta escreve, incessante. Mas entediada também, repetindo no rítmo das repetições do professor. No rítmo do tic-tac tic-tac tic-tac do relógio. No rítmo do plic-plac plic-plac plic-plac da caneta ao lado, que não escreve, só abre e fecha, abre e fecha. O relógio parece brincar com os alunos, tictaqueando sem o mexer dos ponteiros.
Barulho dos passos do professor pra um lado e pro outro em frente ao quadro; passos parados e impacientes que marcam os segundos preguiçosos dos alunos; dedos tamborilando; o relógio; a caneta; as cadeiras estalando; respirações desinspiradas. TIC. TAC. TIC. TAC. TIC. TAC.
Três minutos. Os traços da caneta se multiplicam, tentando fugir ao buraco negro, tentando agarrar um tic e pular a um outro tac, aproveitando o embalo quase parado. Dois minutos, o fim da folha se aproxima, a expectativa aumenta, zíperes ecoam, mais barulhos nas cadeiras, a fome se faz notar espreguiçando-se ruidosamente.
Bate o sinal. Acaba a folha. A caneta se cala.

Sep.3rd.2007