19.10.06

Preparou, chutou, pra fora!

Quarenta e três minutos do segundo tempo das oitavas de final. Eliminatórias. Um a zero França. Os torcedores só pedem um gol brasileiro. O Brasil que tem na conta quatro finalizações, até esse momento. O torcedor não pede nem gol na prorrogação, mas quer a prorrogação. O torcedor quer mesmo os pênaltis. Se for pra pênalti o Brasil com certeza há de vencer, como diz a lenda - a mesma lenda que, mesmo com o péssimo futebol da seleção nos jogos anteriores, ainda fez da equipe uma das favoritas. E o torcedor quer os pênaltis. Quarenta e três minutos do segundo tempo e é falta dentro da área. Falta dentro da área é pênalti! Preparou Ronaldinho Gaúcho, chutou, pra fora!. Tudo que o torcedor queria era um pênalti e o pênalti foi pra fora.
Pois que antes do início da Copa, quando a mídia já havia esquecido de todo o resto do mundo e só se preocupava com o mundial, estávamos no Bar dos Treze eu e dois amigos, um dono de confecção infantil e um vendedor de loja de departamentos. Meu amigo vendedor, entre um gole e o outro, tentava convencer o empresário de que investir em roupas verde e amarelo e com estampas do Brasil podia não ser tão lucrativo quanto parecia. No campo adversário, o empreendedor falava em sair da defensiva, preparar uma tática de ataque, falava do esquema em triângulo - bom, bonito e barato - e, a certa altura do campeonato, não se sabia mais se falavam de futebol ou negócios.
O negócio é que, depois de muito bate-boca, fui convocado a sair do banco de reservas e entrar na conversa. Tentei driblar a idéia mas não consegui finalizar a jogada. Então entrei de chuteira.
- Não acredito nem mesmo que o Brasil vai se classificar pras oitavas de final.
Tomei cartão amarelo. Dos dois. Quisera eu ter juntado ambos, somado um vermelho e sido expulso da conversa. Não gosto de futebol e não entendo muito de negócios.
Meu amigo empresário, no entanto, não parecia cansado e, depois de dois minutos para acréscimo de mais cerveja ao seu copo, sinalizou um "mais uma!" pro garçom e entrou em campo para o segundo tempo da conversa. Explicou que a empresa ia mal, que a concorrência estava jogando melhor e que ele estava pra ser eliminado do mundo dos negócios. Mas seus cálculos davam conta de que, se o Brasil chegasse até as finais, as vendas deveriam subir cerca de 30% e, com o saldo extra, meu amigo empresário poderia quitar algumas dívidas e se recuperar no campeonato.
Isso tudo se o Brasil chegasse até as finais. Meu amigo vendedor, que há tempos andava meio calado, só na zaga, esperando pra tirar de cabeça, resolveu se manifestar e disse apenas que, quer o Brasil chegasse ou quer não, não acreditava que o lucro esperado ia ser capaz de recuperar a posse da bola.
- Pra mim, é chutar pra escanteio o bom senso. É só uma Copa, é só um mês, as pessoas continuam sem dinheiro.
Mas não deu jeito. O empresário era cabeça dura e resolveu manter a escalação até o fim do jogo. O aumento das vendas na Copa era seu pênalti aos 43 do segundo tempo das eliminatórias, e ele chutou pra fora. O Brasil voltou mais cedo pra casa, e o empresário aposentou as chuteiras, foi ser jardineiro de uma família rica e nunca mais assistiu futebol.
Jul.12th.2006

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