10.8.04

# O Gato #

Era uma vez
Uma gato xadrez
Nascido na França
Falava francês

De olhos azuis
Brilho que seduz
Seis kilos de um gato
Que a noite reluz

miau miau pleo mundo
miando sem rumo
Xadrez e confuso

Era uma vez
O gato Xadrez:
Te conto outra vez?

pro Paulo
Aug.10th.2004

13.6.04

Primeiro Aniversário em Londres

As letras rabiscadas no cartão
desejavam feliz aniversário,
e suas simples palavras cor-de-verde
saltitavam felizes pelo ar
daquela primavera tão brilhosa
e tão magicamente eurolondrina.

E nessa atmosfera eurolondrina,
de umidade a manchar o seu cartão,
só sorri, ondulada e tão brilhosa,
a menina em seu quarto aniversário:
traz na sua mão direita um balão de ar
e na outra os desejos cor-de-verde.

E pisca, de repente, cor-de-verde
olhos lá paisagem eurolondrina
que uma chuva molhada molha o ar:
quer, malvada!, molhar o seu cartão!
Põe sob a saia o gift de aniversário
para então o proteger d’água brilhosa.

E sorri dessa idéia mui brilhosa:
veja o quão são espertos os cor-de-verde
neurônios que hoje estão de aniversário!
Então logo se perde a eurolondrina
- seguros sob um toldo ela e o cartão –
se perde em pensamentos e eles no ar...

“noir” até diria outrora, mas neste ar
“black” – even better: bright (que é bem brilhosa ;)
bem isso a fascinava, o cartão
com sua poesia em letras cor-de-verde
nessa sua nova língua eurolondrina
que diz “birthday” instead of aniversário.

E ma petit no quarto aniversário
não é mais cherie – é darling, e seu ar
é mais feliz, ela é eurolondrina
agora, e aprende inglês e vê a brilhosa
chuva no fim das tardes cor-de-verde:
mesmo verde das letras do seu cartão!

Cartão escrito em inglês no aniversário
cor-de-verde; français, french: um novo ar;
brilhosa: minha nova eurolondrina...

12/jun/2004

Just give back your ring to me

Foram os três dias mais angustiantes da minha via, eu me lembro de ter dito a ela um ano depois, e os 362 dias mais felizes desde então. Hoje, e eu já nem saberia dizer quantos anos se foram desde que ela partiu – quanto mais desde que colocou o anel em seu dedo! –, eu sento aqui e conto as estrelas. Conto às estrelas porque me sento aqui, e as estrelas se sentam aqui e se contam – e me contam como ela está.
Brilha, brilha estrelinha, brilha, brilha lá no céu...

12/jun/2004

22.4.04

Azul bebê

Ela entrou na sala, uma camisa dele, azul bebê, pouco abotoada, segurando uma xícara de café entre as mãos; ele estava sentado em frente ao computador. De pés descalços, cabelos ainda levemente molhados, ela caminhou até ele, e ficou atrás da cadeira, os olhos amendoados atentos à tela, que reluzia na sala escura. O café estava quente e cheiroso; cheiro de café na sala, cheiro de shampoo nela, cheiro de colônia masculina nele. O teclado fazia música sob os dedos finos dele; dedos finos dele no teclado, dedos brancos dela na xícara, dedos de um entrelaçados nos dedos do outro. A tela do computador brilhava apática; apática a luz da tela, mágicos os olhos dela, apaixonados os olhos dele. O tapete da sala estava macio; macio o tapete bordô com bege, mais macia a pele dela, mais suave o toque dele. A janela deixava entrar a brisa fresca; fresca a brisa da noite de outono, quente o hálito dele, incendiante o beijo dela.
Sobre o sofá a camisa dele, azul bebê, desabotoada, e a xícara de café sobre o vidro da mesinha de centro. Atento, ele caminhou até ela, atrás da cadeira, tirou-lhe os pés descalços do chão, e os cabelos, ainda levemente molhados, reluziram à luz dos olhos dele, na sala escura. Nele, quente e cheiroso, cheiro de colônia masculina, que se misturava aos cheiro de shampoo, nela; cheiro de café na sala. Sob o comando da música, que entrelaçava a xícara, o teclado, os dedos de um e de outro, os dedos finos dele faziam nos dedos dela teclado brando. O computador de tela apática, tela de luz apática junto da mágica dos olhos dele na paixão dos olhos dela. No tapete bordô-macio com bege, o toque mais suave dela, na pele dele, o tapete mais macio. Brisa da quente noite de outono a entrar a janela, o beijo dele incendiante, o hálito dela, brisa.
Amêndoas musicais, dedos que reluzem ao cheiro bordô da janela, café macio que se entrelaça fino à luz, teclado begemente apaixonado pela noite de tapete masculino, mágica música dos dedos de shampoo nos beijos descalços do incêndio molhado.
Inexplicáveis, inesquecíveis...

21/Abr/2004

14.4.04

Blooming Blume

Você não foi mais que uma alergia.
Forte a ponto de deixar cicatrizes, é verdade,
Mas foi só uma alergia.
E agora passou o inverno
abri as janelas,
respiro aliviada
- embora isso não alivie meu coração.
E vou aproveitar a primavera pra me aquecer,
me deixar brotar,
florescer, desabrochar:
Tisquecer.

13/Abr/2004

4.4.04

Leaving Rooms

- O que você faria se eu dissesse que só tava te usando?
- Perguntaria: “você quer que eu saia?” e faria segundo sua vontade.
- Eu tava só te usando.
- Ah, agora não vale, você já sabe o que eu vou fazer.
- Vai perguntar?
- Se você for responder com sinceridade...
- Vai embora.
E eu fui.

04/Abr/2004

2.4.04

Esquerda-Direita

Há poucos anos, num acidente de carro, o jovem soldado tivera de amputar o antebraço, e agora o cotovelo arredondado e com uma enorme cicatriz constituía a extremidade do braço direito.
- Não põe o cotovelo pra fora da janela! - brincou o velho caminhoneiro, tirando uma das mãos do volante e arremessando uma xepa de cigarro, enquanto ria um sorriso sem dentes.
Mas não riu quando foi atingido por duas balas saídas da arma que o soldado disparou: com a mão esquerda.

02/Abr/2004

29.2.04

Das muitas coisas que você não explica

- É que eu preciso dizer que tenho um namorado, mas eu não posso mentir, entende?
Ela dissera aquilo com a maior naturalidade, mas sabendo que não parecia haver nexo em seu pedido. Lembrou do político grisalho de gel no cabelo. A questão é que ela precisava viajar ao nordeste para entrevistar o tal deputado (ou era um senador?), e era temporada, os hotéis estavam lotados - ela esquecera de reservar vaga -, então a opção era se hospedar na casa de um pen pal, amigo por correspondência.
Em plena era da internet, e-mail, e dias que você vê em míseros segundos, ela ainda se dava ao trabalho de comprar selos e envelopes coloridos, escrever em papéis de carta e passar em algumas das, agora raras, caixas de correio. Tem coisas nesse mundo que a gente não explica. De uma forma ou de outra, por sorte ou destino, ela agora ia pro mesmo buraco aonde o tal Sérgio morava.
- Somos amigos, eu confio nele, o conheço e tudo o mais. Só que ainda assim tenho que me resguardar, entende? Então eu tive essa idéia: digo pra ele que tenho um namorado, falo desse namorado algumas vezes por dia, e ele não vai tentar nada comigo. Mas eu não queria mentir pra ele, dizer que estou namorando sem estar, entende?
Ele tentou entender. Realmente, por mais que ela confiasse, ela só conhecia o tal do Sérgio por correspondência, e a situação era meio delicada. Com um sorriso, ele se lembrou de que era exatamente isso que a mãe dizia a sua irmã, quando ela vinha com idéias de viagens pelo país com hospedagem em casa de virtual friends. Por fim, aceitou.
- Mas o que exatamente eu tenho que fazer?
- Bom, eu estava pensando. Se nós vamos namorar eu preciso saber algumas coisas de você, e você de mim, só por precaução. Vai que ele me pergunta algo que namorados sabem e eu não sei? - ele meneou a cabeça, assentindo. - Além disso, a gente pode sair algumas vezes nessas duas semanas q ainda faltam pra viagem; pra eu ter lugares pra descrever, cenas, entende? - entendia. - E, bom... - ela pigarreou, estranhamente tímida - acho que, se você não se importar, é claro, a gente talvez devesse, hm, se beijar... - ela baixou os olhos, levantando-os rapidamente para encara-lo e voltando a baixa-los - pra dar mais realidade, entende?
Ela não saberia explicar porque aquele rubor súbito. Afinal, ela não era apaixonada por ele, aquela história do vereador (deputado?) era mesmo verdade, e o namoro era puramente conveniente. Ele, por sua vez, também não entendia o porque de seu nervosismo já que, também da sua parte, não havia paixão, e se submetia àquilo por amizade - afinal, por mais que fosse estranha e birutinha (como costumava dizer), a menina era bacana.
Nas duas semanas que se seguiram, ela tratou de gravar bem o cargo do vereador - e ela achando que era alguém importante, um senador, algo do gênero -, e pesquisar coisas a respeito do dito cujo, pro caso de uma necessidade. No primeiro dia após a conversa ele não ligou, pois não queria parecer interessado, mesmo porque não estava, e ela também não o fez porque não queria dar a impressão de o estar pressionado. Mas, no segundo dia, era sexta-feira, e as pessoas saem na sexta-feira; ela ligou.
- Você não acreditaria se eu dissesse que estava discando teu número quando o celular tocou, não é? - disse ele, sendo puramente sincero. - Como está?
- Bem, bem. E você?
- Tudo OK; melhor agora, que é final de semana, não é? - eles estavam protelando, essa era a verdade. Mas, aproveitando as exaltações de 'viva o final de semana' do outro lado da linha, ele introduziu o assunto - Então, que tal se a gente saísse?
- Boa idéia! Era exatamente por isso que eu tinha te ligado. O que você sugere?
Sem esquecer de seu propósito, ela fizera uma "lista de coisas que namorados devem saber", e passaram uma boa parte da noite nesse quis; de uma pergunta tola puxavam assunto, lembranças de infância e a noite se passou agradavelmente.
O dia seguinte, obviamente, era um sábado. E as pessoas também saem no sábado. Então foi a vez dela escolher o bar, e a vez dele escolher as perguntas. Apesar de amigos, eles não costumavam sair juntos com tanta freqüência, e provavelmente não acreditavam que isso valesse muito a pena.
Ela era uma menina muito alegre mas também muito avoada. Morena de olhos castanhos, era até meio magra demais, de estatura um pouco acima da média, desengonçada; apesar da aparência frágil, tinha personalidade e caráter marcantes, e era firme em suas opiniões. Tinha umas idéias arrojadas - o que até certo ponto era bom pra sua carreira de jornalista -, e um bocado de amigos que a ajudassem nas mais loucas empreitadas. Amigos, aliás, era um de seus vícios. Mesmo quando lhe faltava tempo, ela dava um jeito de arranjar mais um endereço, mais um e-mail, mas um uin.
Ele, que a conhecera na festa de um conhecido em comum, era mais reservado, mais calmo. Não era de falar muito, mas quando o fazia era pra dizer algo de útil, e até que era espirituoso - o que, na maioria das vezes, não é comum aos calados e caladas. Um metro e noventa de músculos pequenos mas definidos, um sorriso de dentes perfeitamente enfileirados e um cabelo cacheado que lhe caía até os ombros. Era um rapaz muito criativo, mas seu talento não era bem aproveitado na empresa de consultoria administrativa.
E, mesmo sendo uma quarta-feira, ele resolveu arriscar e ligar pra ela, precisava preencher as respostas das novas perguntas que imaginara. Ela também tinha mais algumas perguntas na lista, e almoçaram juntos. Ela não comia carne vermelha, ele não suportava alface; ela não tomava refrigerante, ele adorava suco de abacaxi; ela pagava em cash, ele marcava na conta. E ela tinha um piercing na língua, que ele só percebeu quando se despediram e - pela primeira vez - se beijaram. Foi iniciativa dela, fazia parte do acordo, entende, mas ele também não fez contra, entendia. Mas foi só um beijo, uma despedida comum entre namorados; mesmo de mentirinha, I guess, pensou ela.
Quando chegou sexta-feira ele teve churrasco com a turma da faculdade, e ela ficou de babá pra sobrinha. No sábado tinha jantar da família dela, e ele foi passar o fim de semana no campo, com uns amigos. Na terça ele ligou, ela estava atarefada acertando os últimos detalhes da viagem, mas marcaram de almoçar juntos no restaurante do aeroporto no dia seguinte, assim teriam algum tempo pra conversar - a departure estava prevista para as 14:00hs.
Meio enrolada entre guardar o tíquete do estacionamento e procurar alguma mesa, ela esbarrou numa menina de vestido ridiculamente rosa e cheio de babados. A topada fez a criança cair pra trás e desatar a chorar; a mãe apareceu logo em seguida, com cara de preocupação, pegando a pequena no colo e tratando o caso como um braço quebrado, perguntando ao marido se havia uma sala de emergência no aeroporto, apenas por garantia. Gente exagerada, pensou ela, que já guardara o papel azul-bebê na bolsa e agora fechava o zíper, sentando-se numa mesa - ele ainda não havia chegado. De um dos bolsos da calça ela puxou uma lista de, duas colunas, dos apontamentos principais: a da esquerda era sobre o vereador grisalho de gel no cabelo, informações pessoais, cargos importantes - nessa parte ela deu um sorriso sarcástico -, dados extra-oficiais sobre o Caso dos Jardins e coisa do gênero; a da direita era sobre ele, aniversário, família, bandas favoritas, hobbies, umas fotos que ela encontrara na internet e imprimira.
- Ei! Onde você achou essas coisas? Não vê que essas fotos queimaram? - a voz vinha de trás do seu ombro, num tom divertido. - Não sou nada fotogênico; vê que meu sorriso sai falso e eu não sei o que fazer com as mãos?
- É que na última hora me lembrei que namorados costumam andar com fotos um do outro na carteira. - ela lhe deu um beijo rápido, tão rápido que os lábios mal se encostaram. Era, então, a segunda vez que se beijavam, e ela tratou de logo voltar à conversa. - E o sorriso não está tão ruim, embora esteja mesmo meio falso.
Quase perdeu o vôo. Ele lembrou de perguntar se ela já tinha mencionado o namora ao Sérgio, e ela disse que sim, que ele parecia ter ficado bastante feliz. A conversa se desenrolou e quando se deu conta, faltavam quinze minutos pra partida e ela ainda tinha que ir ao balcão da empresa cumprir as mil e uma burocracias. Pra melhorar a situação, ela não achava a passagem, maldita passagem!, blasfemava de si pra si. Por fim, menos pior, a encontrou no meio do bloco de anotações, e conseguiu embarcar.
Fora o calor escaldante, tudo correu como devia. Sérgio era muito mais gentil pessoalmente, e ela ficou feliz de conhece-lo enfim, após quase ano de correspondências trocadas. Percebendo um jeito diferente em seu amigo, ela (como sempre muito direta e até indiscreta) questionou-o a respeito da sua opção sexual - por incrível que pareça nunca haviam tocado no assunto, a não ser uma breve menção da parte dela sobre o namoro recente -, ao que ele assumiu, sem nenhuma cerimônia, ser homossexual. Tranqüilizador, ela pensou, e quase se arrependeu de ter inventado aquele namoro.
De volta, saindo do salão de desembarque, entre procurar na bolsa o maldito papel azul do estacionamento e empurrar o carrinho com a bagagem, ela levantou os olhos - não queria nenhuma criança rosa e embabadada sendo atropelada desta vez -, e eis que inesperadamente encontrou com ele. De súbito, parou. Então uma felicidade lhe invadiu e, abrindo um sorriso, foi ao seu encontro.
Se ela não sabia o que ele fazia ali, que dizer dele, que simplesmente saíra do serviço e lembrara que ela devia estar chegando. Ao abraço apertado, seguiram-se uns segundos, durante os quais eles apenas se olharam nos olhos, matando as saudades. Ela quebrou o silêncio.
- Nossa! - exclamou. Ela costumava usar interjeições quando não sabia o que dizer. - O que você... quero dizer, que bom que você veio!
- É, eu lembrei que você devia estar chegando hoje, mais ou menos por essas horas e resolvi dar uma checada. Dei sorte, não é? - ele falou, num tom alegre, dando uma piscada de olho. - Seu carro está no estacionamento, não está?
- Como você sabe?
- Lembro que você saiu correndo pra pegar as bagagens no dia da partida. - ela riu alto, com gosto, os olhinhos brilhando. - o que foi?
- Eu sou absurdamente enrolada! Não sei como consigo viver assim. Mas, sim, estou com o carro aí. E você?
- Vim de táxi, na esperança de ganhar uma carona. - ele piscou de novo, e ela sorriu.
Ele tomou o carrinho das malas e foram caminhando; a alguns metros do estacionamento ela voltou a remexer na bolsa atrás do papel azul e, agora, da chave do carro também.
- Como eu consigo ser tão enrolada? - ela exclamou, colocando a chave na ignição e dando a partida.
- Acreditaria se eu dissesse que senti falta disso?
- Arrancar o carro? - perguntou ela, com estranhamento.
- Não. Desse seu jeitinho meio atrapalhado de fazer as coisas. - ele falou devagar, os olhos com um brilho estranho, ternos.
- É. Eu também senti sua falta. Quase te liguei, mas não quis fazer interurbano da casa do Sérgio, entende? É bom poder ter você de novo. - essa última frase saiu meio sem querer, um ato falho, algo que ela realmente pensava, mas que não tinha a intenção de manifestar. Tentou ratificar - Digo, é bom estar de volta; minha cidade, meu carro, minha rotina, entende? Por mais que eu não goste de rotina. - e mudou de assunto.
Enquanto conversavam sobre futilidades, comentando sobre o caso do vereador e o calor insuportável do nordeste, ela pensava sobre essa repentina boa sensação por estar de volta; não estar de volta a cidade, à rotina, como dissera, mas por estar de volta a ele. Tinha mesmo sentido sua falta, e falado nele um bocado de vezes - mesmo sabendo que não corria mais risco. E procurou manter a conversa longe do assunto trato, percebendo, entre assustada e feliz, que não queria que o namoro acabasse.
- Ai, caramba! Esqueci que tinha de te levar em casa e tomei o rumo do meu apartamento! - irrompeu ela, dando um tapa na própria testa e se xingando mentalmente pela estupidez do esquecimento - Bom, mas tenho uma idéia. Janta comigo?
- Ora, mas não pela carona! Pode me deixar num ponto de táxi que eu volto pra casa sem problemas, eu não quero te dar transtorno!
- De jeito nenhum. Se você não quer jantar, eu faço questão de te levar de pra casa; tem um retorno logo ali adiante.
- Não, não. Eu aceito o jantar. Só pensei que você estivesse cansada da viagem e não quis te dar trabalho.
- Jantamos, então? - ela o encarou, parada em frente à entrada do prédio, esperando o portão abrir.
Instintivamente ela pôs um disco que sabia que ele gostava, mandou pedir um dos seus pratos preferidos e abriu uma garrafa de vinho, enquanto se sentavam no sofá para conversar e esperar o jantar. Houve então um daqueles momentos de silêncio que entremeiam as conversas enquanto nenhum assunto vem à pauta. E ela estremeceu quando ele, perguntou, afinal, sobre o tal Sérgio.
- Ah, ele é muito mais simpático pessoalmente.
- É bonito?
- Não muito.
- Mas é?
- Não, eu não achei.
- E ele tentou alguma coisa com você? - havia uma ponta de ansiedade em sua voz.
- Não, não. - ela faz um pausa. - Na verdade... bem, ele é gay.
- Sério? - ele gargalhou feliz, jogando a cabeça pra trás. - E você não sabia disso? - ela balançou a cabeça em negação e ele riu de novo.
- Qual é a graça?
- Então essa história toda de namoro foi em vão?
- Bom... - ela começou, sem saber como continuar, mas não foi necessário, porque ele a interrompeu.
- Digo, em vão não porque fez a gente se conhecer melhor e... - ele fez uma pausa, tomou um gole de vinho.
- E...? - era mordeu os lábios, na expectativa.
- Ah, nada, deixa pra lá; besteira, você não ia acreditar.
- Fala! - sua voz saiu meio aguda, suplicante. De repente, ela teve medo; teve certeza de que a frase seguinte seria o fim do namoro de mentirinha. - Eu não vou rir, juro!
- Bom. Eu sei que a gente só se conheceu mesmo naquelas duas semanas antes de você viajar, mas ainda assim eu te achei uma menina muito legal, gostei do teu jeito estranho de ser... digo, no bom sentido, eu acho legal isso e... - ela riu. Não do que ele dizia, mas de alívio por ele não estar falando nada em terminar o namoro. - Viu! Eu sabia que você ia rir! - ele exclamou, sentido.
- Não, desculpa! Não estou rindo de você ou do que você está falando. Eu fico feliz que você me ache legal, porque eu também te acho um cara muito bacana. Muito mesmo. - ele sorriu, meio encabulado. - Eu estou rindo porque, hm... bom, porque eu achei que você ia terminar o namoro... - agora ela falava devagar, temendo a resposta.
- Você quer terminar o namoro?
- Não. Quer dizer, o namoro era de mentira, mas...
- É... mas tudo bem se você quiser acabar.
- Você quer?
Houve um minuto de silêncio, durante o qual eles se encararam.
- Não. - ele falou de súbito. - Eu sei que parece ridículo dizer isso, já que a gente só se conheceu efetivamente há pouco menos de 3 semanas, mas eu to apaixonado por você. - as palavras saíram tão rápido e de maneira tão verdadeiramente emotiva que ela tonteou. - Mas tudo bem se você quiser terminar, eu...
- Não quero. - ela o interrompeu. - Era justamente o que eu não queria. Eu também me apaixonei por você nesse pouco tempo e...
Faltaram palavras. A ambos. Mas, felizmente, eles podiam usar as bocas - de uma outra forma - para dizer o que sentiam. E o jantar acabou esfriando...

29/Fev/2004

25.2.04

Por favor!...

Mas a condição era que não transariam. O namoro voltaria, beijos, abraços, até um pouco mais, menos sexo. De qualquer tipo. E ele era apaixonado por ela, não trocaria a – provavelmente – última chance de darem certo só por causa de sexo; tinha duas mãos, uma coleção de revistas. E reataram o namoro.
Então era uma noite de fim de fevereiro, fresca e enluarada; no rádio tocava um seleção de músicas antigas e calmas. De novo, ele podia estar com ela, e tocar seus cabelos, e olhar seus olhos azuis, e beijar sua boca macia e recheada, a abraça-la com força e carinho, e deita-la na cama, e acariciar-lhe o pescoço e...
- Ai, desculpa! Cacá, me desculpa! Eu sei, a gente combinou, e eu... eu... eu fiz sem querer, me perdoa! Por favor, Cacá, eu...
- Ei! Calma! – ela segurou-lhe o braço, não deixando que o rapaz se levantasse. – Você não fez nada... – pôs o dedo nos lábios dele, acariciou-o; e completou: – mas vai fazer...

19/Fev/2004

Impulsive

As pessoas ao redor brincaram, insinuando coisas. O terraço, não coberto, tinha piso em cor mogno, e sobre ele se espalhavam a mesinha de centro e uma porção de cadeiras, de plástico ou madeira; alguns ocupavam esses lugares, enquanto outros ficavam de pé, e mais uns tantos preferiam apenas se encostar no peitoril. A garota repetiu:
- Vem comigo, Cris. – e pegou a mão dele.
Descendo a rua, bastante íngreme, chegaram à praia, onde a pequena faixa de areia branca contrastava com a imensidão negra do oceano. Ainda segurando uma de suas mãos, ela apontou a lua, cheia e brilhante, cercada de estrelas, todos mudos: lá e aqui. Então, com um leve tremor nas mãos – ou nos olhos, ele não saberia dizer –, ela o encarou e foi como se falasse as coisas mais lindas que ele podia ouvir, a voz mais doce a ser emitida pelo par de olhos amendoados a sua frente.
Uma onda de medo o invadiu junto com o sentimento de ternura. Medo do que sentia agora e jamais percebera, medo de não corresponder às expectativas, medo de não dar certo, medo de ter medo de ter medo... e um impulso maior que tudo isso, uma vontade amendoada de sentir o gosto da felicidade entre seus lábios: e a beijou, todinha...

09/Fev/2004

I liked it

- Mariana!
Eu virei pro outro lado do balcão, mas ele corre e se colocou de novo a minha frente.
- Marina!
Eu guardei a correntinha com a placa gravada com “M”.
- Marlize!
- Marlize? – fui obrigada a me manifestar.
- É, não. Marlize é um nome feio.
- É o nome da minha mãe.
- Bom, ainda assim acho que é um nome feio.
- Como é que é?
- Mas tudo bem, não importa se o nome é feio, isso não determina uma pessoa.
- Já parou pra pensar que eu posso não gostar de ouvir você dizer que o nome da minha mãe é feio?
- Na verdade você não tem que gostar, é a minha opinião. O máximo que você pode fazer é discordar dela.
- E qual é o seu nome, garoto?
Ele baixou a voz.
- Josivaldo.
- Gostei.
- Do meu nome? – espantado.
- Não. – tranqüila. – De você.

02/Fev/2004

Secretária Eletrônica

O telefone tocou. Eu estava com os pés dentro da bacia d’água, pra fazer as unhas. Dois toques e entrou a secretária eletrônica (afinal, eu nunca estava em casa, por que deixaria o telefone tocar mil vezes antes da máquina apitar?). A questão é que agora eu estava, milagrosamente, em casa: com os pés molhados e quase caindo da cadeira pra alcançar a toalha.
- Hm, garota brasileira? Aqui é o cara do cinema...
Ei, espera um pouco. Você sabe o que é ter de ir ao cinema sozinha por estar em um país estranho? E o cara, todo bonitinho, do meu lado, sem saber como puxar conversa ao fim do filme. E, no fim, quem pe que tentaria cantar uma menina estrangeira só pra conseguir o telefone e passar trote? Bom, fato é que eu não esperava que ele ligasse: e agora roia as unhas pensando no que ele diria a seguir.
- ... eu... não sei como explicar... bom, eu aprendi a dizer na sua língua...
No meu idioma, foi o que ele quis dizer (o Brasil é um dos únicos lugares onde você beija um desconhecido na boca logo quando o conhece). E, no meu idioma, depois de uma pausa, ele falou devagar e com cuidado na pronúncia: “eu estou apaixonado por você”.
Depois disso, passei a gostar mais da fria Irlanda.

29/Jan/2004

(sem título 24)

- Não é porque você tem uma namorada. É porque ela é irritante.
- Não é.
- Ah, sim, ela é.
- Por quê?
- Ela te liga todos os dias!
- Você também.
- Ela não sai do seu lado um segundo quando te encontra!
- Você também.
- Ela fica sempre tentando achar algo pra conversar com você!
- Você também.
- Ela te adora incondicionalmente!
- Você também...
- Droga! Então por que você está com ela e não comigo?

19/Dez/2003

Melodia sem letra

Ela me disse que o sonho era falar no celular. O dela, no caso, porque eu faço isso com certa freqüência. Eu não entendo, eu respondia, um celular é barato, você tem dinheiro, podia comprar um. Minha conclusão não parecia nunca anima-la.
Um dia eu entendi. A gente sempre entende algumas coisas, um dia. Ela me disse que o sonho era falar no celular. Sabe, falar. Ela era muda.

12/Dez/2003

Wunsch

- Get your fucking fat ass away from my armchair, ok, bastard?!
- Why?
- I don’t wanna fall in love by you again...

25/Nov/2003

Conte até três: 1, 2, 3!

Elas eram três fadas. Aquilo era a coisa mais óbvia que eu já tinha visto, tão simples quanto dois e dois são quatro! Mas não, ele tinha que discordar de mim, sempre. São só amigas passeando, Cá, ele me disse em voz baixa, elas bem a nossa frente.
A de blusinha azul era baixa, ligeiramente gorda, de cabelos pretos escorridos quase até a cintura. Quando não estava puxando a saia pra baixo, apontava coisas ao seu redor, um dedo fino e de unha bem cuidada. Por certo esta seria Flora.
A de rosa, alta e elegante numa calça de linho preto, mantinha suas costas milagrosamente retas, e não cansava de passar a mão nos cabelos loiros e cacheados. O andar era de passos curtos, definitivamente elegante – sem ser esnobe –, essa que devia ser Fauna.
A do meio, coincidentemente de estatura mediana, usava uma blusa amarela e uma jardineira verde musgo, que lhe conferiam um ar jovial, quase infantil. Sua pele era morena e seus cabelos ondulavam até a metade das costas. De tanto meio e entre, como entre inverno e verão é meio frio e meio quente, essa era, sem dúvida, Primavera.
Seguimos as três por dois quarteirões, ele revirando os olhos e eu andando a passos rápidos. Foi quando elas entraram num ônibus azul e lotado, ele me segurando pelo braço e eu ali: bela adormecida sem fadas madrinhas.

17/Nov/2003

Vinho tinto suave.. ou não

Ela estava na cama, deitada de barriga pra cima. Eu abri a porta com cuidado, pra não fazer barulho. Os pesinhos dela balançavam, idiotas, pra fora da cama, desarrumando a colcha estampada. A janela semi-aberta e uma brisa fresca balançava as cortinas – e trazia um cheiro suave de cigarro.
As garrafas de vinho, duas, dividiam o espaço de cima da cabeceira com uma taça quase vazia; o cheiro doce estava no ar. Eu logo percebi que era vinho tinto suave, da marca que sempre tomávamos, a marca que ela mais gostava. Ela, ali deitada e balançando os pés, erguendo o braço e deixando-o cair inerte ao seu lado, me parecia agora mais infantil do que há algumas horas atrás.
- Cretino! Berrava, levantando a cabeça alguns centímetros e deitando-a logo em seguida, quando baixava a voz a um sussurro – Eu amo um cretino.. – e soluçava baixinho, recomeçando tudo alguns segundos depois, um ciclo débil.
Pois que uma hora se sentou para beber o que sobrava de vinho na taça e me viu. A mão parada a meio caminho dos lábios, éster entreabertos e secos, levemente trêmulos. Por fim, terminou de levar a bebida à boca, tomou um gole e voltou a se deitar, recomeçando o movimento dos pés.
Creio que não me reconheceu. Tranquei a porta por fora e passei minha chave por debaixo da porta. Tomei o elevador e nunca mais voltei.

17/Nov/2003

Verdes como os seus

Acho que nunca vi os olhos dele brilharem tanto quanto naquele dia. Você precisava ver. O rosto dele se iluminando num sorriso meigo, os olhinhos verdes apertados. E correu, feliz, de volta para o quarto.
Desde jovem eu morava sozinha, dividindo o apartamento. Primeiro, um professor de informática; em seguida um breve semestre com um garoto fugido dos pais, e os últimos sete anos com Jorge, um técnico em computadores que fez de seu quarto um depósito gigante. Enfim, me acostumei com os computadores.
Naquele dia o pequeno veio da aula com um ponto de interrogação na testa. Não literalmente, embora não fosse me admirar. Quando me perguntou, seus olhos estavam atentos, ansiosos. Verdes.
- Computador. A primeira palavra que você disse foi computador.
- Nossa, mãe! Uma palavra tão grande?
- Você é grande, menino. – e sorri, da felicidade do meu pequeno, desde sempre, e justificavelmente, fissurado por computadores.
Não foi uma mentira completa, sabe; computador foi a segunda palavra que ele disse. Além do mais, eu não teria como explicar que a primeira foi seu nome, de tanto me ouvir falar em você.

28/Out/2003

Era uma vez

Era assim que as coisas andavam acontecendo, como num conto de fada. Aliás, um não, vários. Primeiro, aquela coisa da madrasta megera; depois, no parque, o encontro com o príncipe encantado. Pra completar, a não-aceitação do pai. Claro, lendas urbanas.
Há quase um ano atrás morrera sua mãe, vítima de um câncer de mama. Uma barra. O falecimento aconteceu depois de alguns meses de tratamento, uma cirurgia, quimioterapia intensiva e o diabo a quatro; não adiantou. Lágrimas, lápide, luto, lágrimas. E o inesperado: seu pai casando, dois meses após o enterro, com a secretária do escritório.
As coisas ficaram claras. O caso vinha de antes, era óbvio. Raiva. Mas, não tendo dinheiro, a menina teve de continuar a morar com o pai e a megera. Mamãe não complicaria as coisas, pensava ela, e optou por não desarmonizar a casa. Chegava do colégio e se trancava no quarto, estudando, ouvindo música, entrando na internet.
Internet, aí está mais um ponto da nossa história. Salas de bate-papo onde você conhece pessoas, com quem você marca de se encontrar num parque; essas pessoas furam com você. Chato. Mas a menina deu sorte. Tropeçou no garoto sentado no banco e, como conto de fadas, bastou um olhar para sentirem seus corações palpitarem.
Nem preciso dizer que eles ficaram, né? Ficaram ficando, e foram ficando, até que ele propôs dividir um apartamento quarto-e-sala. Sem compromisso, é claro; nada de papéis, burocracia. Claro, ela. Moderníssimo e prático, ambos de acordo, surge o nosso Rei Tritão, ou o pai da noiva, como queiram. O que importa é que ele não queria; não queria, não queria e não queria.
Sabe como são essas coisas, não? Quer dizer, um menino e uma menina, um pai contra, uma paixão a favor, e uma vida pela frente. Bom, a questão é que o jovens têm sua idéias, têm seus próprios conceitos e fazem suas próprias vidas. Ninguém pode deter os sonhos da gente. Foi o que ela me disse, quando terminou de contar a história, antes de embarcarem no ônibus rumo a rodoviária. E nunca mais os vi.

25/Out/2003

Suaves

Uma gota ousada. De suor, escorregando entre os meus seios, acariciando minha barriga, contornando meu umbigo, deslizando e..
Uma gota ousada; e a vontade de que fossem suas mãos..

16/Out/2003

Autoexplicativo

- Por que você me ignorou, heim?
- ...
- Ah.

10/Out/2003

Você

Você, que eu tanto olho e não consigo ver. Eu não quero ver. Eu só te quero, de olhos fechados, com o coração descompassado, respiração presa, e esse leve tremor nos lábios que me dá cada vez que eu penso em você.
Você, que me olha com ternura, que acaricia os meus cabelos, que tamborila nos meus ombros, que sussurra no meu ouvido. Você que beija o meu pescoço, que me abraça pela cintura, que sorri pra mim e não me deixa parar de pensar em você.
Você que diz o que eu preciso ouvir, que me faz ver o que eu não quero, que me faz entender o que eu não consigo e me faz perceber que há coisas bonitas na vida. Você que me leva pro mar, que me mostra o pôr-do-sol, que me faz admirar a lua e me faz contar as estrelas com você.
Você, tão você, sempre, e tão eu em quase tudo. Eu, tão eu em quase tudo e tão você, sempre. Você, que se faz presente nos meus livros, nos meus armários, nas minhas roupas e nas fotos espalhadas de você.
Você, que desde o começo começa e termina, que circula pelos meus textos sem nunca sair deles. Você, que se faz presente pelas minhas linhas e pensamentos, que não pede licença pra entrar e se recusa a sair. Você, que ainda não saiu da minha cabeça e me faz pensar tanto em você.
(eu?)
Você!

29/Set/2003

Gentil

Tinha um olhar vago, olhos sempre distantes. Quando sorria, dava a impressão de estar sendo gentil; nunca ria. Vez por outra, balançava a cabeça em acordo ou oposição; erguia as sobrancelhas freqüentemente. Sempre cumprimentava a todos do departamento, mantinha a mesa em ordem, não deixava mensagens esperando na caixa de entrada.
Sabia-se que falava bem, embora fosse de poucas palavras. Os seus eram os melhores artigos; seu teclado era silencioso, mais que a boca. Não lhe tinham inveja, quase ninguém; não há como escapar de um ou outro. Habitualmente, limitavam-se a dar os parabéns por mais um recorde de acessos: e receber o já conhecido sorriso-gentil. Sempre gentil.
O que mais espantou a todos foi o requinte cruel de escrever a carta com seu próprio sangue e descrever, de forma sádica, como estava a se cortar e como era se sentir sangrar até a morte. E, te vejo em breve, foi como assinou. Dizem.

23/Set/2003

(sem título 22)

Foi depois de alguns anos aquela dança.
- O ‘amiguinho’ lá de baixo está com saudades de você.
(Tapa.)
- Que coisa escrota pra se dizer!
- Bom você ainda pensar assim. Achei que não era mais você.- E a pediu em casamento.

27/Set/2003

(sem título 21)

- Qual é o seu problema, heim?
- Você! – e me beijou.

10/Set/2003

Frase-poema

Eu me refiro ao Grand Canyon... Sabe, quando falo daquele buraco entre mim e você...

09/Set/2003

Por um futuro melhor

- Só mais um mês, mamãe.
A mãe não gostou quando Caroline veio com a idéia do curso de barman, mas a menina estava há meses que não conseguia um emprego decente. Agora, trabalhava numa loja do bairro, ganhando um salário miserável. Pelo menos, pensou a velha, com o curso ela pode ganhar mais, quem sabe a gente não melhora de vida? E assim justificou.
O curso era à noite, do outro lado da cidade, mas valeria a pena. Agora só faltava um mês, Carol não cansava de repetir. E depois duas semanas, e uma, e um dia ela simplesmente chegou em casa com o certificado.
- E não vai ter festa de formatura? - a velha, pensando no coquetel.
- Ah, mamãe, a escola é simples. E nem dá pra reclamar, pelo preço que eu paguei... - desculpou-se a menina, guardando o papel numa pasta vermelha e gasta, no meio das certidões de nascimento das cinco crianças da casa, a de óbito do pai, as receitas médicas da mãe. - Amanhã de noite eu já vou lá procurar emprego. -anunciou.
Mas de noite? A mãe não gostou. Não era hora de menina direita estar na rua, ela não permitiria. E emburrou. Carol revirou os olhos, mais essa ainda, e disse que era a hora que as casas noturnas (ela fez questão de frisar bem) abriam, era a hora que tinha de falar com eles.
E por quase duas semanas a menina saia do emprego, vinha em casa tomar banho, mudar de roupa; depois tomava o ônibus e ia, incansável. Um dia, comunicou:
- Consegui. - sem nenhuma emoção.
A velha ergueu os olhos da renda de bilro, parando um instante e voltando logo em seguida com o movimento louco das pecinhas de madeira; resmungou alguma coisa e calou. Resmungou de novo, Carol sentada na mesa da cozinha, uma xícara de café nas mãos.
- Muito que bem. - disse a mãe, os dedos loucos pra lá e pra cá. - Muito que bem.
Era a aprovação, mas a contragosto. O salário, pelo menos, devia ser bom, a menina não aceitaria pouco, a velha de si pra si.
E Caroline virou Samantha, 30 reais, serviço completo.

03/Set/2003

Dos Direitos e Deveres

A moçinha de calça jeans e tênis. O rapaz de calça jeans e tênis. Passos apressados. Direções contrárias: olhos nos olhos. Iam passando reto, sem se falar, quando ele agarrou seu braço e a empurrou contra a parede.
- Por que você faz isso, hein?
- Porque eu teamo, seu idiota!
Ele afrouxou os dedos. Ela mordeu os lábios.
- Você não devia dizer que me ama.
- É, eu não devia.. - lágrimas.- eu não devia te amar..

14/Ago/2003

(sem título 20)

A noite era clara e eu sou tímida, mas estava espontânea. Era, duas garrafas de vinho depois, a noite mais linda que eu lembrava de ter visto. A lua sorria pra mim, ele sorria pra mim, e eu ainda sorrio pra ele.
É engraçado como o mundo gira rápido e o tempo não passa: teríamos ficado lá a noite inteira. mesmo sem vinho, lembro de te-lo ouvido dizer, entre um sorriso. Eu ainda sorrio pra ele.
Como a primeira vez que brinquei na neve pálida novaiorquina, esta noite eu guardo, não na frágil memória, mas no coração eterno. Eterno, porque eu ainda sorrio pra ele.

2003

(sem título 19)

Lá, onde a lua se esconde e se despe, nos prova da luz azul-prateada de seu sorriso; lá, onde o sol nasce quente, nos incendeia os corpos caídos na areia; lá, onde a chuva cristalina se guarda, nos banha a alma impura com pureza de caráter; lá, onde a brisa se levanta, nos acaricia os rostos brancos e alegres; lá, onde se reúnem lua sol chuva e brisa, cercando e estimulando meus sonhos; é lá que você está, e é pra lá que eu vou. Lá, tão longe e tão perto, pela estrada de ladrilhos de brilhantes; lá, tão lá e tão aqui, tão seu e tão meu, tão você e tão eu, tão confuso e tão sereno; lá, onde a lua se esconde e se despe..

16/Jun/2003

Por que choram as mulheres?

E foi então que o pai começou a rejeitar-me. Talvez porque a memória de minha mãe, presente na casa apenas através de mim, não deixasse cicatrizar a ferida que a falta dela fazia. Eu já não a tinha, e perdendo a ele, tive de me refugiar na Amiga.
Senti-me estremecer ao fechar a mala. As cenas voltaram a minha mente. Pensei em desistir, mas era preciso. E cruzei a porta: aquela mesma porta que ela cruzara.
De fato aquilo me incomodava, mas não ia fazer parte. Afinal, ela me recebera tão bem, que eu podia contribuir com os gastos de forma tradicional. Mas acabei virando uma vítima das conjunturas e, sem emprego, percebi que só havia uma saída.
Meu réquiem de vida digna e feliz deu seu último passo em direção ao abismo: minha mãe fugida com o amante, meu pai a renegar-me, e eu, abandonada, agora meu corpo vendia, ou alugava, como não cansava de repetir Amiga.
Não sei se feliz ou infelizmente, mas daí em diante pouco durou minha vida. A AIDS me deixou fraca, e meu caixão foi leve. Nenhuma lágrima, nem amiga, prostituída e drogada, nem mãe, nem pai. Nem eu.

Em conjunto com: Daniely, Israel, Marian e Thayse.
11/Mar/2003

(sem título 18)

Ah, mas não sei. Não sei se eu invejo ou não; na real eu acho melhor esse oceano, mas que também não era onde eu queria estar. Mas não sei onde eu queria estar.
Queria poder me sentir bem, onde quer que eu estivesse, com quem quer que fosse. E eu seria feliz. Seria? As coisas são tão confusas, eu acho que não sei o que eu quero. Tédio, marasmo, seria apenas isso?
Eu não sei que tipo de coisas se deve ou não fazer, e também não sei se quero, realmente quando quero. Ai!, que confusão! Taí: confusão, pra que melhor?
Na beira do mar, sob a sombra prata-azulada da lua cheia, sentindo a brisa fresca alisar meus cabelos, eu sentaria, apoiaria minha cabeça n’algum ombro, e sentiria os arrepios me subindo pela espinha.
Mas sonhos assim não costumam se realizar, e pessoas como eu não têm persistência, ou melhor, coragem de correr atrás disso.
Sonhos, noites, e o que mais? Eu fecho os olhos e pinto minha vida. Minha? Vida?
?? (leia-se toin , toin)

10/Mar/2002

(sem título 17)

Eu passo meus dedos levemente por detrás da folha branca, sobre o auto-relevo de minha triste carta. E sinto aqueles hieróglifos tão meus, imaginando que ali estão por causa da força do que eu sinto, e não pela pressão deste lápis sobre o papel pautado fino.
Levanto os olhos e vejo uma chuva dourada pingar ritmada. Mas é apenas a luz alaranjada a iluminar, do alto do poste, as gotas que pingam do telhado sem calha. Gota, gota,poça,, gota, poça, poça..
Um relâmpago ilumina de luz prata o céu negro, recortando nele as nuvens cheias daquela chuva áurea que mancha minhas letras trêmulas.
Essa não é uma carta de despedida, nem de amor, nem é a última e nem é a primeira. É só, e apenas isto, mais uma carta a lápis, a formar hieróglifos em seu verso.
Meus versos, não são a primeira canção. Nenhuma delas eu pretendo re-gravar, já as tatuei profundamente e isso basta.
Basta!

05/Mar/2003

(sem título 16)

É quase dizer que o céu é verde: é quase impossível de se acreditar. Mas talvez seja melhor tentar algo assim do que constatar uma verdade triste demais. Priorizo a verdade mas.. ah!, como às vezes isso me corta!
É provável que eu me ache, secretamente, um fracasso em todas as áreas, mas pensar a respeito não leva a lugar nenhum e nem tampouco reverte a situação. So, me resta pouco, ou nada, além de esquecer o fato.
Mas há horas em várias feridas são novamente abertas e isso causa-me tamanha angústia!, sem motivos, maybe.
A única coisa que eu entendo nessas horas é que fechar os olhos tem um ‘efeito morfina’ sobre mim. E um manto negro encobre minha [?] triste [?] realidade [?] de modo fantás-tico-magórico. E sei que minhas mãos tremem e se contorcem, acompanhando o ritmo frenético do meu coração. E sei que meus olhos vagueiam suplicantes a espera de um horizonte apaziguador.
Então, concluo inconclusivamente que não sei o que me dá, não sei que emplasto me cura, não sei se e/ou como isso me afeta. E não me importo.
Só gostaria de poder realizar alguns sonhos, fazer algumas coisas, dizer outras. Mas.. e me faltam palavras.
As coisas são, não dizem. As coisas dizem, não são. Eu não sei. Eu sou? Eu digo? É tudo tão estranho que já é normal.. tudo normalmente estranho.
Normalmente estranho..

05/Mar/2003

(sem título 15)

Às vezes eu penso em algumas coisas que só fazem me confundir. As coisas não têm muito nexo, e procura-lo me cansa. E tantas coisas ´ra se preocupar que eu fico sem saber o priorizar, eu fico sem saber em que(m) acreditar. E tenho vontades estranhas que quase me dominam, até o instante em que uma gota de consciência [?] dilui essas rubras idéias num líquido róseo e inodoro.
Insípidos, os dias seguem sem grandes diferenças, ou não. Mas são tantas as coisas estranhas (diferentes?) que acontecem que os concertos se fundem negros e plúmbeos no passar pelos neurônios.
Tic-tac, será ou relógio? Ou será o compasso do meu coração? Quem sabe dos meus pensamentos? Plug, será essa mais uma gota? E esse barulho, plac, plac, plac, será a chuva no vidro, ou será meu inodoro líquido cor-de-rosa pingando no vazio do meu corpo?
Cheio de idéias, mas vazio, quem explica? Pra não dizer vazio, tenho medo, tenho desejo, tenho tesão, tenho amigos. E que preciso eu, então, além disso? Se sinto falta de algo, deve haver mais, mas mais é sempre o que se deseja.
Te desejo.

28/Fev/2003

(sem título 14)

É porque as coisas são assim: tem coisas que a gente não entende, e talvez nunca entenda. E quem explica o brilho de um olhar, daquelas estrelas-guia no rosto das pessoas? E há alguém de conseguir esquivar-se do fascínio que esse brilho exerce?
E é claro que eu também não entendo, e nem sei se faço questão e entender. Afinal, coisa melhor que o coração palpitar a um gesto tão simples como o olhar não deve haver, e se há, que me mostrem, pois gosto de sentir esse frio na barriga.
É bem verdade que dois olhares fazerem seu coração palpitar não é lá muito esclarecedor, mas bom mesmo, melhor que esclarecer, é viver: se você não tem, sonhe que pode ter, sofra por pensar em perder, mas não desista.
O palpitar talvez nunca pare com um, mas talvez seja eterno e mais forte com o outro. E o que é eterno perto do instante fantástico de beijar? E aquelas estrelinhas faiscantes no seu rosto?
Ah!, aquelas estrelinhas faiscantes!..

27/Fev/2003

(sem título 13)

Deixei inebriar-me e senti meus sentidos me abandonarem. Quase bati a porta (eu a estava fechando nesta hora). O mundo girou ao meu redor e sentei, sentindo o torpor tomar conta do meu corpo, enquanto meus músculos relaxavam e minha mente se perdia em horizontes azuis de céu e mar fundidos.
Minha cabeça rodava filmes e filmes, que eu dirigia como se fossem meus melhores sonhos, acreditando na possibilidade provavelmente remota de realiza-los. Deixei a realidade afundar no oceano atormentado de sentimentos que eu carregava agora.
Meu corpo estremeceu com o maremoto que se iniciava dentro de mim, e uma torrente quente de paixão e tesão passeou lenta e deliciosamente pelo meu corpo, andando por debaixo da minha pele.
Como que embriagada, cambaleei e deitei, e a luz acima da minha cabeça resgatou a realidade do fundo daquele oceano direto ao mundo a minha votla. Ouvi o barulho da chuva insistente na janela, e o telefone tocou, resgatando-me definitivamente da minha redoma de vidro cor-de-rosa.

18/Fev/2003

(sem título 12)

A lua no céu estava prateada e reluzia como sonho de criança. O mar estava calmo, e ondas suaves vinham beijar a areia resplandecente.
A brisa fina acariciava as folhas das árvores, que balançavam compondo harmoniosas melodias.
Mas as mãos tremiam e as pernas estavam bambas, e não havia motivo para isso. Ou havia? Será que ocorrera algo imperceptível? Na verdade, podia saber o motivo real daquilo, mas talvez não conseguisse acreditar. Talvez não quisesse admitir a parcela de culpa ou talvez não a considerasse desta forma.
A lua iluminava a noite com sua luz alvo-azul-prateada, mas não clareava as idéias.
Tinha medo! Medo de que aquilo tudo acontecesse novamente, e causasse esse sofrimento todo de novo! E o estranho era que não sabia se era mesmo sofrimento. Não sabia se era decepção ou se era apenas angústia por não conseguir o que queria. De repente desilusão por tanta precisão na previsão dos fatos..
O fato é que de tanto tornar isso motivo suficiente para uma crise existencial, não percebia o quanto o fato era ínfimo.
E não notava que a solução era não tentar solucionar; não havendo solução, não havia problema, e então tudo estava solucionado.
É necessário confessar que não solucionara por falta de competência, e não por acreditar nessa brilhante conclusão.
Ao final disso, põe-se a lua lá no oeste, sua luz já encoberta pela claridade do dia, que dissipa também essas dúvidas.
E assim seguem os dias e noites

2003

(sem título 11)

Minha pele é fria, lisa e transparente. Meus olhos agora são azuis como o céu acima de mim. O espelho se recusa a mostrar-me meus farrapos: virei um fantasma.
Alma, pe coisa que não sei onde guardar (dei). Ahm? Eu não entendo, dá pra fala? Meus olhos não conseguem perscrutar mais nem a um copo de vidro cheio d’água,, cheios d’água meus olhos não se fecham, é perigoso.
Sabe, eu não sei (se você sabe), queria entender porque (de novo) eu cai na ilusão de que existe alguém que não vai usar contra mim (tudo) o que disser,, nem se eu disser que já tinha dito que você diria o que disse.
Nem assim, mesmo assim. Se você pudesse ao menos dizer o porque, ao menos olhasse nos meus olhos, mas eu sou um fantasma, eu sou só um fantasma..
Búúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúúú (á).

19/Nov/2002

(sem título 10)

A lua não parou de brilhar, nem parou de girar ao meu redor, prata, gélida, cortante. E o mundo girando à luz do dia, rápido, quente, sufocante. A noite calma, seca, asfixiante.
Ar, eu preciso respirar, expirar, expandir! Espaço, preciso de chão! Alma, eu preciso sentir!
Ah, coragem que me falta! E o medo que toma conta, invade, devasta, trava! Alimento a esperança, não aprendi a desistir.
Ainda há uma saída? E será que quero seguir por ela? As coisas não são mais como era, como deviam ser, como que queria que fossem, como eu queria (?) que devessem ser.
Agora não, não me diga o que fazer. Eu não sei mais se quero mesmo saber. Agora quem não quer (?) sou eu (?).
Ainda que muitas perguntas eu tenha, e ainda que muito poucas eu consiga responder; ainda que muito eu tente, ainda que muito você NÃO tente (aparentemente), nada vai voltar a ser o que era. E eu quero te perguntar como tudo isso começou, e por que deixamos terminar assim? Ah, se ao menos você não tivesse engolido a língua, se ao menos não fosse (mos) tão hipócritas(s), se ao menos pudéssemos conversar.
Agora não dá. E hoje não dá. Amanhã é tarde demais.

18/Nov/2002

Poesia

É aquilo que brilhou nos teus olhos
É aquilo que eu provei da tua boca
E aquilo eu senti do teu corpo
Poesia. E NADA mais..

11/Nov/2002

VIDA de Guna

E corria, corria, menina a correr. Depois sentava na pedra, e sentava na grama, e na grama deitava, sorrisonha, piscante como ela só. E dali a pouco arregalava os olhos, apontava pra mim e dizia:
- Bruxa, Dona Lua! Cuida que a bruxa vem pegá!
E corria, corria, mãemãe chamava; falava, falava e falava e a mãemãe vai brincar, ocupada com o jantar. E Guna (Buguna, Bruna) paipai lá ia chamar. Bruxa, bruxa!, paipai a trabalhar. E lá ia menina pra casa voltar.
E dormia a noite, e acordava o dia, e antes ainda que me fosse deitar, menina eu ouvia dizer:
- Mãemãe, olha o passarinho avoador! Tá piupiuzando!...
E mãemãe, roupa a lavar, lava-lava-lava, não via o Perseu de Guna cantar. E paipai nem ouvia Guna gritar: - Tchau Solinho!, quando o sol me dava lugar; e do céu eu ouvia muá!, Guna beijinhos a estalar, mãemãe, paipai, ursinha Biloca. E paipai do céu, protegedor da minha família, brigado pela mãemãe e pelo paipai que a mim me deu!
E antes ainda que me fosse repousar, escutava menina perguntar:
- Quer ajuda, mãemãe? A Guna pode cafezar... - Xispa, menina, ela tem que trabalhar.
E foi nos 6 que passaram, e foi nos 6 anos que vieram que Guna aprendeu a viver, e viveu. E mãemãe e paipai ocuparam-se demais em trabalhar, não viveram nem aprenderam, nem viram menina viver a aprender.
E paipai um dia morreu; Guna 13 anos tinha e chorou-me as mágoas, abandonando meu consolo em busca do da mãemãe, xispa, menina! E Guna não mais corria, à grama não deitava mais, nunca mais a vi sorrisonha e piscante como antes. Mãemãe, a Guna tá com dor aqui, mãemãe! Quando casar passa, passa, menina!
E mãemãe tinha muito que trabalhar, não dá pra brincar, vá estudar, sem perceber que Guna não ia mias à Escola. E mãemãe tinha mais o que fazer, levante e vá comer, nem viu que menina não mais levantou.
E os vizinhos tiraram o corpo de Guna da casa ouvindo mãemãe, Guna, vai brincar. E levaram o caixão ao cemitério sem conseguir levar mãemãe, deixa menina passear.
E menina, e paipai, já fugidos, deixam à loucura dividir a casa com mãemãe, Guna, vai brincar, xispa menina!...

2002

(sem título 9)

Sorver o néctar maravilhoso dos teus lábios, viajar na incrível delicadeza das tuas mãos, sentir o calor do teu corpo, desejar só você, a lua e mais nada!.. É só isso que eu quero viver!..
Teus olhos verdes refletindo a luz prata-azulada da lua, tua boca suculenta, o fruto proibido do amor, só pra mim!.. Ah! Tua língua indócil ousando coisas que eu nunca pude imaginar que existissem!..
As estrelas mudas cantando um recital de prazer, a lua cheia observando tudo à distância e sua luz sorrindo maliciosamente aos nossos corpos.. Eros acende velas prata à noite, o mar beija nossos pés.. você beija minha boca.. eu beijo a sua boca.. sua boca beija.. minha boca beija..
As folhas das árvores balança, as flores nascem á primavera fresca, os grãos de areia levantam vôo pelo mundo, as águas do mar se agitam silenciosamente e o vento sopra em minha costas.
Então eu sinto um arrepio me subindo pela espinha.. me dá frio, eu me visto e vou embora. Amanhã eu te ligo, tá!

03/Out/2002

(sem título 8)

Mundo, mundo, se eu me chamasse Raimundo, seria apenas rima, não seria solução. E que solução para quem nem consegue identificar o problema? E será que há problemas aqui? Será que o único problema não é ter problemas? OU será que o maior problema é ter sentimentos?
Há de se convir que a lua, não importando-se com os mortais que a admiram, nem com os que a odeiam, nem com as estrelas que a rodeiam, não sofre, não chora. Ah. Mas nós, reles gotas nesse oceano de insignificantes, nós somos tão estúpidos a ponto de mar! Pra quê? A lua não ama, por isso não sofre.
E o oceano? Apaixonado, doente de amor! Ah o mar preocupa-se em beijar seus amigos grãos de areia, ondula cumprimentado às amigas estrelas, e cria pérolas em suas escuras profundezas para ofertar à lua.. E a lua fria, frígida! Eu o mar apaixonado, apavorado!
Pânico, pânico, pânico! Medo do amor! Vontade de não amar, de não olhar pro céu. Ah, oceano azul-negro que me compreende tão bem, se pudéssemos ignorar a lua, se pudéssemos anulas o sentimos pelas pessoas! E quando o mar achou que as estrelas eram tão amigas suas quanto ele era delas, veio o amanhecer, o brilho dourado da manhã esnobe, e lá se foram, afastando-se na velocidade da luz, aquelas “amigas”.
Ah, triste fim de um oceano melancólico! Que fará ele agora? Será que ele sabe o que fazer? Será que há algo a fazer? Se a lua pudesse ajuda-lo... mas na há mais relacionamentos com a lua, ela o banha apenas por educação... e tudo é confusão! Oceano, lua, estrelas, mar, e nós, ínfimos e finitos!
[Não há mais por quem lutar, minhas mãos estão cansadas, não vou mias me segurar, vou deixar que VOCÊ se vá..]

30/Set/2002

(sem título 7)

Minhas mãos tremem e suam, minha cabeça está confusa. Não mais o que esperar, não há mais por quem lutar. Minhas mãos tremem, estão cansadas, calejadas, arranhadas pelas vezes que ampararam minha quedas. Mas não mais como, onde e nem porque me segurar. O chão é o limite.
Meus olhos estão descrente, secos, até diria vazios, não fosse pela decepção que os preenche. Meus olhos estão descrente, mais escuros do que nunca, frios do mal que invade a mente e imobiliza o coração. Não há mais olhos que espero ver. Não há mias nada a ser visto.
Minha boca está flácida, falsa, falso sorriso a ocupar-lhe. Não há mias o que gere um sorriso de ansiedade, pois não há mias o que ansiar. Minha boca está flácida, falsa, falso sorriso a ocupar-lhe, perene, iludindo a mim e a todos, ornamentando de alegrias inexistentes meu rosto triste. Hoje a tristeza não é passageira.
Minha mente está desnorteada, confusa, em cacos, espalhados sobre ela os últimos acontecimentos, banhados de sangue venoso. Minha mente está desnorteada, não há placas indicando o caminha, não há mais o que fazer. Não há.. Não há? Não há!
Minhas mãos tremem, meus olhos estão descrentes, minha boca está flácida, falsa, minha mente está desnorteada e eu.. e eu? O chão é o limite, não há mais o que ser visto, hoje a tristeza não é passageira. Não é.. Não é? Não é! E agora, José?..

23/Set/2002

(sem título 6)

Talvez, e isso é quase certo, tenha faltado sinceridade. Talvez não fosse pra ser o que esperávamos, ou pelo menos, o que eu esperava. Mas ao menos agora temos um resultado para essa expressão tão complicada. Aliás, complicada desde quando? Desde quando tivemos o primeiro impulso? Desde quando deixamo-nos guiar por ele? Desde quando omitimos pela primeira vez?
Maldição, por quê? Era tudo tão fácil, tão simples.. por que as coisas não podem ser como sempre foram? Por que a gente não usa da franqueza que usa normalmente? Ou por que, inferno, nós temos que ser tão semelhantes? Seria tão mais fácil culpar uma incompatibilidade qualquer.. mas ela não existe! Nada mais existe.
Eu percebi que faltava espaço, eu percebi que havia algo estranho.. por Deus, eu não sou idiota! Ma eu perguntei e você disse que não, e você perguntou e eu respondi que não.. ainda assim eu notei que havia algo errado.. tá tudo errado! Por que você não disse antes? Eu percebi, eu falei, eu inventei o que pude para ver se hóstia uma verdade, e quando achei que tinha achado, quando já estava me acostumando com o que sobrava vem você pra destruir o que restoU!
Melhor assim? Eu senti você dando alt+z, eu perguntei e você negou.. e eu não tenho sitocômetro? Eu falei que se não fosse um pvt desejável que você falasse, e voce falou? NÃO! Você nunca fez nada, você mentiu mais do que eu. Eu só queria entender porque.. eu só queria poder nunca ter ficado com você.. e eu queria ter sido mais hipócrita do que tive de ser depois..
Mas você quem quis assim.. só te parabenizo por de mim algo que muito poucos conseguem: eu desisto! Minha desistência, depois de toda confusão que você causou, não é nada.. Foi tudo uma ilusão, tudo um doce sonho que foi amargando até me fazer cuspir você de dentro de mim.. [tudo que você disse, eu aprendi que nunca foi verdade!..]

22/Set/2002

Silêncio da lua

Os estilhaços de vidro refletiam a luz da lua e salpicavam o asfalto de estrelas. A brisa fria vinha do mar, e acariciava as folhas das árvores no caminho. As ondas se balançavam deliciosamente, espumando sob o olhar calmo e melancólico da lua.
As casas eram baixas, circundadas de jardins verdes e arborizados, com pintura descascada e aroma de boas lembranças. O caminho que levava à praia era asfaltado e novo, porém já cercado de recordações. O meio-fio era alto, regular, tradicional como nada por ali. A praia era extensa, a areia macia tecida de sonhos, a água cristalina beijando os pés de quem passava por ali.
Os pés banhados pelo oceano, os corpos acolhido pela areia, o prazer abençoado pela lia. O olhar mudo do vento testemunhando a alegria de um momento inesquecível.
As ondas iam e vinham, espumando um néctar divino, a brisa soprava calma e gélida, balançando as árvores, a areia macia voava, leve, e a lua banhava o mundo em sua luz prata-azulada, tão silenciosa quanto as duas bocas que se uniam nesse cenário harmônico e aconchegante.
Os estilhaços de vidro refletiam a luz da lua e salpicavam o asfalto de estrelas... há horas em eu as palavras são dispensáveis...

10/Set/2002

The worst Nightmare

Um arrepio passou-lhe pela espinha, um súbito frio na barriga. Os olhos vagavam trêmulos pela sala, reluzindo à luz bruxuleante das velas sobre a mesa. As mãos contorciam-se nervosamente, suadas; as sobrancelhas arcadas espremiam os olhos verdes.
O clima era fantasmagórico, e o som das ondas batendo no costão invadia o ambiente. O vento uivava ao passar pela fresta no telhado, as cortinas balançavam. Os móveis em tom mogno remexiam-se no escuro, moviam-se silenciosamente sob a luz das velas.
Os olhos arregalaram-se, cegos, as pernas andaram, bambas, sua testa enrrugou-se, úmida. Os braços agitaram-se, correu, circulou. O pânico embrulho-lhe o estômago novamente, sentiu vontade de grita, não conseguiu, tentou chorar mas foi incapaz. Brusco uma saída, sentiu um vento, correu em sua direção.
A janela estava aberta, o mar acalmara, o vento também, a lua banhava o mundo em pás. Sorriu. O ar frio entrou no quarto, o vento apagou as velas, a lua amansou os móveis.s O tom vermelho-alaranjado mutou-se num azul-prateado e o mar ondulou em benção: o pesadelo acabou...

10/Set/2002

Promises broken

Promises between us...
They told the truth
But we lied to ourselves
We lied about that promises

All we lived togheter
All the love we had
All the happiness…
All lies!

I lied to me
You lied to you
We lied to us
And we made promises
And came between us
More and more…

You broke it
I broke it
We broke it…
We broke our love
We broke our heart
We broke our lives!

04/Set/2002

A vida lá fora!

O toque suave da brisa acariciava-lhe os cabelos loiros e cacheados que balançavam. A coroa de papel crivada de sonhos e a túnica de lençol de algodão estampado o tornavam o rei do mundo, e nesse mundo era sempre hora do recreio, e todas as crianças podiam brinca, e todas elas tinham lanche, e todas elas tinham pais, e todas eram felizes!
E quando eles amassavam sua coroa, desamarravam seu lençol, puxavam-lhe a orelha e o deixavam sem jantar, quando berravam com ele e o trancavam no quarto, ele sentava no canto da parede, encolhia as perninhas junto ao peito e as abraçava, como se estivesse abraçando a cintura fina da mãe. E ele sonhava com o dia em que ela viria toma-lo pelo mão, conduzi-lo pela ruela coberta de folhas secas, dar-lhe um beijo na testa e desejar que tivesse um bom dia de aula.
Antes de chorar suas lágrimas puras e cristalinas, ele rezava ao Papai do Céu a oração do Santo Anjo que a mãe lhe ensinara e pedia que protegesse a eles para que um dia pudessem se reencontrar e ser felizes! Depois dormia, embalado na dor da solidão e na esperança que tomava conta de seu coração.
Pobre criança! A mãe nunca voltou para busca-lo e dar o tão sonhado beijo. Soube que ela virou prostituta numa grande cidade do sudeste. E quanto a ele? Cresceu sob essa pressão de não sonhar, meio a gritos e castigos, puxões de orelha e falta de jantar; fugiu de casa aos 15 anos, arrumou um emprego ruim, um barraco pobre e frio, não passou no vestibular. Casou com uma moça honesta, teve filhos, e não pôde dar a eles nem 1/3 do mixo que teve. Seu enterro foi simples, com poucas flores, poucas pessoas e poucas lágrimas.

07/Ago/2002

Amor. Somente amor.

A noite estava quente e úmida, uma brisa suave soprava as poucas folhas das árvores em pleno outono.O chão era coberto de grama crescida e verde, molhada do orvalho que caía e da chuva do noite anterior.
Alguns passarinhos cantavam ao longe, acompanhando o ritmo leve da brisa e das ondas fracas que mas chegavam à praia. A espuma branca batia quase imperceptivelmente nas rochas negras e cheias de limo.
Sob a luz avo-azul-enegrecida da lua cheia, a paisagem tornava-se melancólica e aconchegante, harmÔnica. O cheiro de terra limpava o ar cheio de problemas, e o calor da noite acolhia nossos corpos sob o luar.
Nossos olhos, ouvidos, nariz e boa não sentiram o delicioso sabor da noite de outono; concentravam-se uns nos outros: olhos fechados, ouvidos fechados, o nariz apenas respirando e tomando fôlego para que as bocas não precisassem se desligar um da outra.
Nas folhas caídas sob a grama, sob a sombra enorme e negra das rochas costeiras, abençoados pelos olhares mudos das estrelas, ouvindo a melodia do mundo ao nosso redor, a noite passou, linda, esplêndida, maravilhosa. Passou e acabou.
A melhor noite de outono de um vida inteira, tatuada na memória com um amor maior que todos, um cheiro melhor que os outros, um som mais harmônico que qualquer um, e o gosto mais gostoso que uma boca poderia dar. Amor. Somente amor.

18/Jun/2002

(sem título 5)

Se revoltava contra o próprio coração. Entrara numa guerra contra ele, e tentava demove-lo da idéia fixa de que se apaixonara.
Não! Não queria ter se apaixonado. No começo foi bom, poder estar perto daquela pessoa tão maravilhosa, tão amável. Mas agora, vendo que perdia essa meiguice, a única coisa que conseguia fazer era tentar esquecer que se apaixonara.
Cada vez que a lembrança, principal aliada do maldito coração, trazia à tona aqueles bons momentos, a consciência intensificava os ataques ao coração devastando-o tanto ou mais do que a própria falta já o fazia,
Ai, a falta! Como detestava sentir essa falta, esse vazio enorme dentro de si. Era como se corresse em seu interior e de repente se defrontasse com um canyon tão largo e profundo que não era impossível ver o outro lado .
Era sem ver o outro lado do túnel que caminhava, no escuro da indecisão, querendo apenas sair dali, parar de pensar naqueles olhos e naquela boca, e ter enfim, paz. Mas não sabia se era paz que sentia antes ou depois de tocar aquela pele..

2002

(sem título 4)

O vento batia forte e embaraçava os seus cabelos longos e avermelhados, fazendo as mechas loiras e lisas se desprenderem de trás das orelhas. Havia um mundo de gente ali, conversando e pulando, mas ela estava alheia a isso.
Abandonou seu corpo ali, comas as mãos nos bolsos e as costas encostadas na parede, e seu pensamento foi longe, muitas quadras adiante, e ficou vagando por boas lembranças.
A casa era grande, com móveis antigos, bem decorada e algumas peças miúdas. Eles estavam lá comendo pizza, reunidos num grande grupo de amigos, com alguns namorados, sim, mas a maioria amigos.
Ela via aquela figura loira, de cabelos longos e lisos, que ria e brincava, fazia palhaçadas, animava a turma. Não conseguia deixar de olhar para ele, por mais que tentasse; era como se aqueles olhos verdes imantizassem os seus. Era mais forte do que ela...
O vento soprou forte e jogou-lhe os cabelos no rosto, trazendo-a de volta aos dias atuais. Ela olhou em volta e procurou aqueles olhos, verdes, e não os encontrou. Uma lágrima escorreu do seu coração. Ninguém viu, ninguém notou, ninguém olhou, e mesmo que o tivessem feito, ninguém sentiria a vontade tão grande de que ela jamais acordasse daquele sonho bom.

29/Mai/2002

(sem título 3)

Estávamos andando pela rua, lado a lado, fazia vinte minutos. Ninguém falava nada: apenas seguíamos devagar. Às vezes, quando o movimento dos carros diminuía, podíamos ouvir nossa respiração calma e profunda.
O horizonte fazia-se e desfazia-se num ir e vir de formas e cores. É claro que não prestávamos atenção nisso, nem em todo o resto que acontecia ao nosso redor: as pessoas apressadas, os carros coloridos, as janelas abertas ou fechadas, os bares vazios, as lojas sem movimento, os bancos da praça desocupados. Tudo isso e nada, não fazia diferença para nós.
Eu pensava em tanta coisa ao mesmo tempo que toda a energia do meu corpo se concentrava no cérebro. Não sei como eu conseguia andar. Um turbilhão de sentimentos passeava pelo meu corpo como a poeira passeava por aquelas ruas. Eu não sabia exatamente o que sentia, só conseguia me sentir bem, acima de tudo, por estar ali com ele.
Esse prazer era mútuo. Não precisaríamos de mais nada além do outro. Bastava a mim que ele pudesse estar ali, e a ele que estivéssemos juntos. Não íamos de mãos dadas, pois não precisávamos nos tocar para sentir a presença do outro.
Não sei dizer exatamente o que diabos acontecei, mas por algum motivo nós nunca mais pudemos nos sentir assim. Se por vontade Dele, dele ou minha, eu também não sei explicar! Só sei dizer que ele ainda passeia por dentro de mim, e estranhamente, eu por dentro dele..

15/Mai/2002

A Guerra do Lápis e da Borracha

Na sua adolescência, o lápis vivia uma época conturbada, com a chegada repentina das lapiseiras do norte. Para ele, as lapiseiras eram como lírios mortos na pintura de um desenhista fracassado.
Quando conheceu a borracha, seu primeiro sentimento foi o ódio, achando-a chata e sem graça. Mas com o passar do tempo, e com a convivência incessante naquele penal desmoronado, acabou se apaixonando.
O lápis gostava de ser daquele penar, pois achava as canetas de lá muito legais. Mas por que era de lá? Como, se a princípio a odiara, agora podia amá-la?
A borracha sentia-se da mesma forma; gostava de apagar o que o lápis escrevia apenas para poder ficar perto dele. Gostava quando usavam canetas pois ela podia ficar sozinha com o lápis. E dali surgiu um romance, que acabou acabando sem que nem porque.
Mas o lápis já tinha se tornado dependente da borracha. Fazia tudo errado, inconscientemente para poder precisar dela. A essa altura do campeonato, não mais que as lapiseiras estivessem tomando o mercado. Nada importava. O lápis se escondia dentro de livros, atrás de porta-lápis, no canto das gavetas.
E essa história não terminou até hoje. Todo lápis tenta se convencer que odeia a borracha, quando no fundo, ela é apenas quase uma razão para existir.

13/Mai/2002

(sem título 2)

A chuva pingava rapidamente no mar calmo do litoral. A lua escondia-se por detrás de nuvens negras e densas, pesadas; parecia, olhando-se pro céu, que o ínfero engoliria o mundo assim que se abrisse aquela cortina de maldita, e as chamas lamberiam da terra a felicidade, levando para o lugar mais profundo e inalcançável a capacidade de sorrir das pessoas.
A chuva não cessava nem um segundo, e o mar gélido e plúmbeo se deprimia em pequenas ondas, que não tinham nem forças para chegar às rochas. A lua se debatia contra aquelas nuvens diabólicas, e exprimia toda sua força em luz, na esperança de poder iluminar o oceano tão distante e tão triste. Mas seu esforço foi em vão.
A noite fresca passa e vai embora com a brisa forte e fria, que entra janela adentro. As nuvens ainda estão lá, negras más, e o céu avermelha.
Lentamente todo o céu se tinge de um vermelho-alaranjado-azul-aroxeado e indescritível, e a brisa vai afastando as nuvens, abrindo as cortinas maldirás para o inferno invadir a terra: mas Ele não deixaria isso acontecer jamais.
Com um gesto simples e da maior originalidade, cria-se a vida: nasce um criança, feliz, sorridente e que tem, inconscientemente, a esperança de viver num mundo melhor.

2002

(sem título 1)

O sol alaranjado ia se pondo por detrás daqueles prédios, irradiando sua luz em despedida às flores caídas no gramado. Sob a árvore verde da plena primavera, flores brancas misturavam-se às folhas secas do último outono, que ninguém recolhera. As janelas fechadas não deixavam passar o vento suave que batia e balançava melodiosamente as folhas das árvores, assobiando e formando uma canção jamais escrita por ninguém. As cores melancólicas do fim de tarde se misturavam sob a luz já avermelhada do sol, e formavam um quadro que ninguém jamais pintou. O gramado verde e crescido se espalhava por todo terreno, não deixando descoberto nem um centímetro daquela terra de barro, apagando do chão as marcas jamais vistas dos passos que passaram por ali. Nem os menores insetos que viviam naquelas terras tinham vida; as arvores, as folhas, a grama, as lajotas do caminho, e até as flores brancas eram frias, mortas, como o vento fino que batia ali, como a chuva fresca que molhava aquele chão, como o sol quente que regava aquelas plantas, e como a alma que ela tivera antes de cravar um punhal de prata no peito, já há muito triste, negro, morto!...

2002

Noite de Março

Era uma noite de março, fresca e enluarada, como haviam sido quase todas as outras noites do mês. Não que aquela noite fosse diferente das outras, mas tinha algo estranho no ar; algo que embargava a voz e fazia lágrimas nascerem no canto dos olhos; algo que embaçava a vista e embaralhava os pensamentos; algo que inexplicavelmente pairava no ar, entrava pelos pulmões adentro e provocava todas essas reações. Não era nada visível, nem tão pouco palpável, era apenas algo, que ninguém conseguiu definir.
E naquela noite estranha, dois estranhos saíram pela rua, andando vagarosa e despreocupadamente, sem prensar na violência crescente dos grandes centros urbanos, ou na possibilidade de um atentado contra vida, ou qualquer outra coisa do gênero. Não pensavam em nada do que lhes podia acontecer, e não pensavam apenas por não conseguirem pensar, mas também por não fazer diferença mais, pra eles.
Havia alguns botecos abertos, onde gente alegre tomava cerveja, jogava, conversava - conversas entrecortadas por gargalhadas que irrompiam no ar, feito balão estourado-, brincando de ser feliz na gostosa noite de março. Passando pelos bares, uma área residencial, repleta de casa baixas e espalhadas desordenadamente pela rua, uma largas, outras longas, com janelas grandes, pequenas, redondas, quadradas, retangulares; por algumas das janelas, recortadas contra a luz, podia-se ver pessoas à mesa, na sala, em famílias, juntas e felizes.
Mas por que aqueles dois estranhos respiravam esse ar tão diferente e tão triste? Por que sentiam entrar em seus pulmões um frio tão congelante, que petrificava seus sentimentos e os fazia incapazes de qualquer outra atitude a não ser andar?
As mãos nos bolsos, a cabeça levemente baixa, os olhos espremidos pela emoção do momento e pelo vento que vinha do mar. E naquele imenso horizonte aquático, negro pela noite e azulado pela lua, a dor se misturava aos problemas do mundo; naquele mar onde tantos já haviam depositado tudo o que sentiam, eram enterrados os sentimentos daqueles dois estranhos.
E estranhamente eles pararam, e muito tempo se passou, tempo insuficiente para acalmar o redemoinho de idéias que ia em suas mentes: tempo suficiente apenas para uma frase:
- E agora?...
A pergunta sem resposta, que não queria calar na mente e na garganta desses estranhos, de repente materializada em som, e que foi se perdendo com o vento, provavelmente mergulhando profundamente no oceano azul-negro do litoral. A pergunta sem resposta, sem resposta ficou. Os estranhos, estranhos ficaram, e a noite diferentemente igual de março, passou desapercebida aos olhos de todos: ninguém sentiu a morte da moça, apenas os nossos dois estranhos, que têm até hoje um pequeno espinho dentro do peito, espetando de vez em quando, e não deixando cicatrizar a ferida nascida e crescida da falta que ela fez em suas vidas...

21/Mar/2002

O Esquecido

Era um cara baixinho e gordinho, de barba por fazer e unhas por cortar. Sua aparência seria repugnável até mesmo a um piolho cego. Fedia a suor e em suas orelhas podia-se ver a cera acumulada. O fiapo de carne entre os dentes, estes tão amarelos quanto farinha de milho e o hálito forte de cachaça com alguma coisa que nem se identificava mais denunciavam: não escova os dentes há pelo menos um mês.
Usava uma camisa regata amarelada pelo uso e pelo tempo, e preta de sujeira; uma camisa que, com muito esforço podia-se notar que um dia fora branca; acompanhando o ‘figurino’, usava uma bermuda jeans, que um dia fora calça, com a bainha desfiada e os bolsos furados; desbotada e tão suja quanto todo o resto de seu corpo.
Saltou do ônibus e andou, sendo seguido pelos olhares dos outros passageiros que não paravam de comentar.
Andou até uma velha igrejinha, e deu a volta nela. Lá atrás, longe de todos os olhares curiosos, tirou do bolso um pequeno frasquinho, do tamanho de um dedo.
Apanhou em cima da mesa uma folha de papel meio amarelada e uma caneta que há muito tempo alguém esquecera. Escreveu:
“Não passo de um homem que o tempo esqueceu e o mundo renegou.
Não passo de um homem como muitos outros que não tem o que comer nem o que vestir.
Só me diferencio de todos os outros como eu por uma coisa: eu sei ler, escrever, calcular e beber.
Beber: um ato que foi acabando com minha vida enquanto eu pensava que ela estava recomeçando. E agora, bebendo, vou me despedir da vida; dessa vida cruel que me esqueceu. Agora, vou me vingar: vou me esquecer que um dia nasci para viver.”
Ao terminar de escrever abriu o frasquinho e tomou. Fechou os olhos que com o resto de consciência que lhe restava deitou no chão. Logo em seguida morreu.
E hoje o mundo vai saber da história desse homem. O mundo que em vida o esqueceu, agora em morte, relembra sua triste história.

2002

Caminhando na Praia

Estava caminhando na praia, areia fofa, o mar gelado, a brisa fresca. Era uma linda noite de outono, com a lua azul no céu banhando o oceano.
Todo o amor que tivera dentro de si, agora desaparecera. Dentro de sua cabeça tudo se confundia, e o mundo parecia que pesava sobre seus ombros.
As ondas beijavam-lhe os pés, que caminhavam incessantes pela praia. Não sabia o que fazer, não tinha a menor idéia de onde ir, não tinha nada nem ninguém em mente.
Toda a vida aprendera que amar é mais importante que tudo, e agora isso. Não sabia como agir numa situação assim, e toda vez que tentava achar uma saída se perdia cada vez mais no labirinto de seus pensamentos.
O esgotamento físico lhe abateu. Sentou na areia fofa e sentiu o cheiro do mar. A brisa soprou mais forte e fria, e um arrepio subiu pela espinha. Não pelo frio, mas pelas lembranças.
Aquela praia, aquele vento, aquele mar, aquela areia... ah!, aquela areia... lembrou-se do dia em que rolaram juntos pela areia, beijando-se e abraçando-se, e sentindo que nada mais no mundo interessava a não ser os dois e o amor que sentiam um pelo outro.
Droga! Será mesmo que tudo fora só um sonho de uma noite de verão? Será que fora um sonho infantil, uma ilusão, ou só mais uma ilusão amorosa? Por que tudo tinha que ser daquele jeito? Ou melhor, será que era mesmo daquele jeito?
Perdeu-se no seu pensamento. Pensava em mais coisas do que seria possível descrever, mil idéias.
Do outro lado, na mesma praia, semelhante silhueta caminhava, também a beira do mar, sentindo as ondas chegando à areia e a lua azul banhando o mundo com sua luz melancólica.
Seria mesmo desnecessário descrever o que sentia por sua vez esta sombra, pois tudo, tudo o que tinha em seu coração e em sua mente, sem que soubesse, espelhava exatamente o que já foi notado no primeiro vulto.
Desconhecidos do que preparara para eles o destino, puseram-se ambos a andar e pensar, talvez tentando mesmo descobrir qual seria a próxima apunhalada da vida, ou o que seria de seus futuros. Sem que soubessem, inconscientemente se dirigiam para o mesmo lugar, a mesma areia fofa que acolhera tão gentilmente seus corpos em tão feliz momento que viveram. Sem que pudessem imaginar, o destino os colocava novamente frente a frente.
Cabeça baixa, pernas tremulas, olhos lacrimejantes; nada viam, nem lhes interessava ver. Só seguiam em frente porque alguma coisa dentro de si dizia que deviam continuar.
Num gesto lento e desnorteado, ergueram os olhos, e eis que se depararam um com o outro. Os olhares se encontraram e, calados, puderam ler tudo o que sentiam. Sem que fosse necessários dizer uma palavra sequer, sem que fosse necessários um grito, um gesto, um som; uma ofensa, uma mágoa, uma desculpa. Uma lágrima escorreu silenciosa no canto do olho de cada um, e foi o que bastou. Tocaram-se, e a mágica de seus corpos os envolveu lentamente, fazendo com que seus corações disparassem e se acalmassem, com que o ar pudesse lhes entrar livremente e eles não conseguissem respirar, com que o amor brotasse de novo em seus corações como uma árvore centenária.
Nada foi dito, apenas feito; nada de palavras para magoar e ferir, apenas beijos para acalmar e curar; nada de raiva, pena ou compaixão, apenas amor, amor e amor. Só.
A brisa soprava aconchegante, o mar gelava os dois pares de pés que caminhavam a beira da praia, e ao longe, atrás de algumas montanhas, podia-se notar o sol nascendo e seus raios abençoando o novo velho amor naqueles dois jovens corações.

13/Mai/2002