25.2.04

Era uma vez

Era assim que as coisas andavam acontecendo, como num conto de fada. Aliás, um não, vários. Primeiro, aquela coisa da madrasta megera; depois, no parque, o encontro com o príncipe encantado. Pra completar, a não-aceitação do pai. Claro, lendas urbanas.
Há quase um ano atrás morrera sua mãe, vítima de um câncer de mama. Uma barra. O falecimento aconteceu depois de alguns meses de tratamento, uma cirurgia, quimioterapia intensiva e o diabo a quatro; não adiantou. Lágrimas, lápide, luto, lágrimas. E o inesperado: seu pai casando, dois meses após o enterro, com a secretária do escritório.
As coisas ficaram claras. O caso vinha de antes, era óbvio. Raiva. Mas, não tendo dinheiro, a menina teve de continuar a morar com o pai e a megera. Mamãe não complicaria as coisas, pensava ela, e optou por não desarmonizar a casa. Chegava do colégio e se trancava no quarto, estudando, ouvindo música, entrando na internet.
Internet, aí está mais um ponto da nossa história. Salas de bate-papo onde você conhece pessoas, com quem você marca de se encontrar num parque; essas pessoas furam com você. Chato. Mas a menina deu sorte. Tropeçou no garoto sentado no banco e, como conto de fadas, bastou um olhar para sentirem seus corações palpitarem.
Nem preciso dizer que eles ficaram, né? Ficaram ficando, e foram ficando, até que ele propôs dividir um apartamento quarto-e-sala. Sem compromisso, é claro; nada de papéis, burocracia. Claro, ela. Moderníssimo e prático, ambos de acordo, surge o nosso Rei Tritão, ou o pai da noiva, como queiram. O que importa é que ele não queria; não queria, não queria e não queria.
Sabe como são essas coisas, não? Quer dizer, um menino e uma menina, um pai contra, uma paixão a favor, e uma vida pela frente. Bom, a questão é que o jovens têm sua idéias, têm seus próprios conceitos e fazem suas próprias vidas. Ninguém pode deter os sonhos da gente. Foi o que ela me disse, quando terminou de contar a história, antes de embarcarem no ônibus rumo a rodoviária. E nunca mais os vi.

25/Out/2003