25.2.04

O Esquecido

Era um cara baixinho e gordinho, de barba por fazer e unhas por cortar. Sua aparência seria repugnável até mesmo a um piolho cego. Fedia a suor e em suas orelhas podia-se ver a cera acumulada. O fiapo de carne entre os dentes, estes tão amarelos quanto farinha de milho e o hálito forte de cachaça com alguma coisa que nem se identificava mais denunciavam: não escova os dentes há pelo menos um mês.
Usava uma camisa regata amarelada pelo uso e pelo tempo, e preta de sujeira; uma camisa que, com muito esforço podia-se notar que um dia fora branca; acompanhando o ‘figurino’, usava uma bermuda jeans, que um dia fora calça, com a bainha desfiada e os bolsos furados; desbotada e tão suja quanto todo o resto de seu corpo.
Saltou do ônibus e andou, sendo seguido pelos olhares dos outros passageiros que não paravam de comentar.
Andou até uma velha igrejinha, e deu a volta nela. Lá atrás, longe de todos os olhares curiosos, tirou do bolso um pequeno frasquinho, do tamanho de um dedo.
Apanhou em cima da mesa uma folha de papel meio amarelada e uma caneta que há muito tempo alguém esquecera. Escreveu:
“Não passo de um homem que o tempo esqueceu e o mundo renegou.
Não passo de um homem como muitos outros que não tem o que comer nem o que vestir.
Só me diferencio de todos os outros como eu por uma coisa: eu sei ler, escrever, calcular e beber.
Beber: um ato que foi acabando com minha vida enquanto eu pensava que ela estava recomeçando. E agora, bebendo, vou me despedir da vida; dessa vida cruel que me esqueceu. Agora, vou me vingar: vou me esquecer que um dia nasci para viver.”
Ao terminar de escrever abriu o frasquinho e tomou. Fechou os olhos que com o resto de consciência que lhe restava deitou no chão. Logo em seguida morreu.
E hoje o mundo vai saber da história desse homem. O mundo que em vida o esqueceu, agora em morte, relembra sua triste história.

2002