25.2.04

Vinho tinto suave.. ou não

Ela estava na cama, deitada de barriga pra cima. Eu abri a porta com cuidado, pra não fazer barulho. Os pesinhos dela balançavam, idiotas, pra fora da cama, desarrumando a colcha estampada. A janela semi-aberta e uma brisa fresca balançava as cortinas – e trazia um cheiro suave de cigarro.
As garrafas de vinho, duas, dividiam o espaço de cima da cabeceira com uma taça quase vazia; o cheiro doce estava no ar. Eu logo percebi que era vinho tinto suave, da marca que sempre tomávamos, a marca que ela mais gostava. Ela, ali deitada e balançando os pés, erguendo o braço e deixando-o cair inerte ao seu lado, me parecia agora mais infantil do que há algumas horas atrás.
- Cretino! Berrava, levantando a cabeça alguns centímetros e deitando-a logo em seguida, quando baixava a voz a um sussurro – Eu amo um cretino.. – e soluçava baixinho, recomeçando tudo alguns segundos depois, um ciclo débil.
Pois que uma hora se sentou para beber o que sobrava de vinho na taça e me viu. A mão parada a meio caminho dos lábios, éster entreabertos e secos, levemente trêmulos. Por fim, terminou de levar a bebida à boca, tomou um gole e voltou a se deitar, recomeçando o movimento dos pés.
Creio que não me reconheceu. Tranquei a porta por fora e passei minha chave por debaixo da porta. Tomei o elevador e nunca mais voltei.

17/Nov/2003