25.2.04

A vida lá fora!

O toque suave da brisa acariciava-lhe os cabelos loiros e cacheados que balançavam. A coroa de papel crivada de sonhos e a túnica de lençol de algodão estampado o tornavam o rei do mundo, e nesse mundo era sempre hora do recreio, e todas as crianças podiam brinca, e todas elas tinham lanche, e todas elas tinham pais, e todas eram felizes!
E quando eles amassavam sua coroa, desamarravam seu lençol, puxavam-lhe a orelha e o deixavam sem jantar, quando berravam com ele e o trancavam no quarto, ele sentava no canto da parede, encolhia as perninhas junto ao peito e as abraçava, como se estivesse abraçando a cintura fina da mãe. E ele sonhava com o dia em que ela viria toma-lo pelo mão, conduzi-lo pela ruela coberta de folhas secas, dar-lhe um beijo na testa e desejar que tivesse um bom dia de aula.
Antes de chorar suas lágrimas puras e cristalinas, ele rezava ao Papai do Céu a oração do Santo Anjo que a mãe lhe ensinara e pedia que protegesse a eles para que um dia pudessem se reencontrar e ser felizes! Depois dormia, embalado na dor da solidão e na esperança que tomava conta de seu coração.
Pobre criança! A mãe nunca voltou para busca-lo e dar o tão sonhado beijo. Soube que ela virou prostituta numa grande cidade do sudeste. E quanto a ele? Cresceu sob essa pressão de não sonhar, meio a gritos e castigos, puxões de orelha e falta de jantar; fugiu de casa aos 15 anos, arrumou um emprego ruim, um barraco pobre e frio, não passou no vestibular. Casou com uma moça honesta, teve filhos, e não pôde dar a eles nem 1/3 do mixo que teve. Seu enterro foi simples, com poucas flores, poucas pessoas e poucas lágrimas.

07/Ago/2002