25.2.04

Por que choram as mulheres?

E foi então que o pai começou a rejeitar-me. Talvez porque a memória de minha mãe, presente na casa apenas através de mim, não deixasse cicatrizar a ferida que a falta dela fazia. Eu já não a tinha, e perdendo a ele, tive de me refugiar na Amiga.
Senti-me estremecer ao fechar a mala. As cenas voltaram a minha mente. Pensei em desistir, mas era preciso. E cruzei a porta: aquela mesma porta que ela cruzara.
De fato aquilo me incomodava, mas não ia fazer parte. Afinal, ela me recebera tão bem, que eu podia contribuir com os gastos de forma tradicional. Mas acabei virando uma vítima das conjunturas e, sem emprego, percebi que só havia uma saída.
Meu réquiem de vida digna e feliz deu seu último passo em direção ao abismo: minha mãe fugida com o amante, meu pai a renegar-me, e eu, abandonada, agora meu corpo vendia, ou alugava, como não cansava de repetir Amiga.
Não sei se feliz ou infelizmente, mas daí em diante pouco durou minha vida. A AIDS me deixou fraca, e meu caixão foi leve. Nenhuma lágrima, nem amiga, prostituída e drogada, nem mãe, nem pai. Nem eu.

Em conjunto com: Daniely, Israel, Marian e Thayse.
11/Mar/2003