25.2.04

Noite de Março

Era uma noite de março, fresca e enluarada, como haviam sido quase todas as outras noites do mês. Não que aquela noite fosse diferente das outras, mas tinha algo estranho no ar; algo que embargava a voz e fazia lágrimas nascerem no canto dos olhos; algo que embaçava a vista e embaralhava os pensamentos; algo que inexplicavelmente pairava no ar, entrava pelos pulmões adentro e provocava todas essas reações. Não era nada visível, nem tão pouco palpável, era apenas algo, que ninguém conseguiu definir.
E naquela noite estranha, dois estranhos saíram pela rua, andando vagarosa e despreocupadamente, sem prensar na violência crescente dos grandes centros urbanos, ou na possibilidade de um atentado contra vida, ou qualquer outra coisa do gênero. Não pensavam em nada do que lhes podia acontecer, e não pensavam apenas por não conseguirem pensar, mas também por não fazer diferença mais, pra eles.
Havia alguns botecos abertos, onde gente alegre tomava cerveja, jogava, conversava - conversas entrecortadas por gargalhadas que irrompiam no ar, feito balão estourado-, brincando de ser feliz na gostosa noite de março. Passando pelos bares, uma área residencial, repleta de casa baixas e espalhadas desordenadamente pela rua, uma largas, outras longas, com janelas grandes, pequenas, redondas, quadradas, retangulares; por algumas das janelas, recortadas contra a luz, podia-se ver pessoas à mesa, na sala, em famílias, juntas e felizes.
Mas por que aqueles dois estranhos respiravam esse ar tão diferente e tão triste? Por que sentiam entrar em seus pulmões um frio tão congelante, que petrificava seus sentimentos e os fazia incapazes de qualquer outra atitude a não ser andar?
As mãos nos bolsos, a cabeça levemente baixa, os olhos espremidos pela emoção do momento e pelo vento que vinha do mar. E naquele imenso horizonte aquático, negro pela noite e azulado pela lua, a dor se misturava aos problemas do mundo; naquele mar onde tantos já haviam depositado tudo o que sentiam, eram enterrados os sentimentos daqueles dois estranhos.
E estranhamente eles pararam, e muito tempo se passou, tempo insuficiente para acalmar o redemoinho de idéias que ia em suas mentes: tempo suficiente apenas para uma frase:
- E agora?...
A pergunta sem resposta, que não queria calar na mente e na garganta desses estranhos, de repente materializada em som, e que foi se perdendo com o vento, provavelmente mergulhando profundamente no oceano azul-negro do litoral. A pergunta sem resposta, sem resposta ficou. Os estranhos, estranhos ficaram, e a noite diferentemente igual de março, passou desapercebida aos olhos de todos: ninguém sentiu a morte da moça, apenas os nossos dois estranhos, que têm até hoje um pequeno espinho dentro do peito, espetando de vez em quando, e não deixando cicatrizar a ferida nascida e crescida da falta que ela fez em suas vidas...

21/Mar/2002